domingo, 2 de outubro de 2016

Sobre a consciência dos milagres



Gostaria de compreender essa passagem do Curso:
“É necessário provar indiretamente a verdade em um mundo feito de negações e sem direção.” (T-14; I - §2:1)

Se a causa de algo está aparente, então o seu efeito deveria estar igualmente claro. No entanto, a causa dos milagres pode não estar clara para aquele que o presenciou ou ofereceu. Assim, para este, o milagre parece ter sido “dado” e uma graça se fez. Se ele não pode perceber que autorizou a presença da graça, então a verdade precisa ser provada de forma indireta. A isto, geralmente, se atribui um “ato maravilhoso” ou “bondade de Deus”. Contudo, Deus não oferece nada a Seu Filho caso Ele Mesmo não tenha permitido para si a presença.

Uma ocorrência em amor não pode ser julgada. Ela está para o sujeito da experiência como para um ato em disponibilidade. A culpa gera o erro em julgar-se como não merecedor. Em um mundo no qual a grandeza está obliterada pela culpa, o valor do Filho de Deus tem que ser demonstrado de forma indireta para que possa lembrar-se de si. A causa estará implícita nos efeitos que serão para ele apresentados, como se fosse mesmo o contrário. Assim, indiretamente, diante dos milagres, o Filho de Deus acreditará que algo aconteceu “por acaso” para ele, ou que ele está diante de "sinais". Isso é o que verdadeiramente precisa ser invertido. O milagre é um direito ou herança. Ele não surge como uma acepção de causas imerecidas. Portanto, vamos primeiramente demonstrar o valor do Filho de Deus. Posteriormente, vamos compreender como o pressuposto do milagre surge indiretamente neste mundo, para ser depois vagamente compreendido e, finalmente, aceito.

O Filho de Deus consciente de Quem É vê milagres como naturais. Ele sabe que o pressuposto da Causa não pode ter abandonado Sua Fonte. Se ele está consciente de si mesmo como um Efeito de Deus, então a causa de sua aparente vida, ou seu estar-no-mundo, não pode ter outra Fonte que não seja Ele Mesmo. No entanto, se Ele não está consciente de Quem É, a sua real natureza precisa ser-lhe demonstrada de modo indireto, pois algumas ocorrências lhe parecerão imerecidas, já que chegaram como uma benção que ele não sabe de onde veio.

O texto diz: “Como poderias aprender o que foi feito por ti, sem o teu conhecimento, a não ser que faças o que terias que fazer, caso tivesse sido feito por ti?” (T-14, I - §1:7). Pois bem, poderíamos reescrever esta frase assim: Como poderias saber o que foi feito para ti, se não tens consciência da Fonte daquilo que chegou, a não ser que entendesses que aquilo é teu e deve ser entendido como tal? O trabalhador em milagres precisa saber que ele é um Efeito de Deus, portanto, o que recebe tem que vir da mesma Fonte. Este trecho fala sobre o destino do Filho de Deus no tempo como favorável, pois mesmo que algo que ele tenha feito “por si mesmo” não possa ser compreendido como tal, ou ele seja o vetor de algo incompreensível (“Não sei como consegui fazer isso. Foi um milagre!”), mesmo assim, isso foi feito por ele, então ele precisa ter o conhecimento de como isto pode ocorrer. No entanto, isto pode estar escondido sob espessas camadas de dúvidas acerca de seu poder.

Portanto, o trabalhador de milagres não pode ter dúvidas acerca de Sua Fonte. Mas neste mundo “feito de negação e sem direção” o trabalhador em milagres não pode se ater ao seu real valor sem comprometer-se diretamente com a verdade. Ele aprende, neste caso, por via indireta, e isso não é um erro ou um problema. Na verdade, é uma fase pela qual todos devem passar. Se ele está esquecido de seu valor, isto é, se não lembra que é amado por Deus sem nenhum tipo de julgamento ou condenação, certamente deve estar imerso em algum tipo de culpabilidade e não lembra que é perfeitamente inocente.

Para que possa lembrar, o contexto nos quais o milagre acontece não pode ser tido como se fosse algo exterior a ele. E é exatamente disso que precisa lembrar. O seu valor não entra nisso, pois ele é, como já foi dito, perfeitamente inocente. Então, o que mais pode ser lido como empecilho se não a culpa ou o medo? Tais elementos gerados pela mente errada fazem com que ele se perceba erroneamente, de tal maneira que passa a crer que tudo que vem de uma fonte diretamente associada à inocência não pode ser devida a ele. Portanto, a primeira coisa que deve ser lembrada para que o Filho de Deus possa experimentar o milagre sem necessidade de inferências indiretas é que ele é perfeitamente inocente. Esta é a sua natureza e negar isso é o mesmo que negar a si mesmo.

Podemos entender com um exemplo: digamos que a sentença proferida por um juiz seja desfavorável para certo réu. Certamente, diante das leis do mundo, a causa e o efeito de tal sentença podem até mesmo estar ajustadas. Mas o milagre surge da ideia diante da qual tal réu se contesta e pode até mesmo assumir para si a culpabilidade do crime no tempo, mas não a punição de Deus, desistindo da ideia de que ele é efeito deste mesmo crime e se percebe inocente. Ele errou, mas agora pode ver a si mesmo como perfeito, capaz de gerar inclusive um novo panorama para a vida, diante de uma perspectiva agora sábia que possa trazer para si verdadeiras vantagens de correção durante seu “estar-no-mundo”.

Neste caso, o milagre surge diante da mudança de ideias que compõem um sistema de pensamento. Usamos um exemplo extremo, mas a verdadeira mudança surge através do amor. Contudo, o amor próprio não é uma causa a se revogar. Pode ser que o criminoso altere sua forma de ver a vida caso relembre de Sua Fonte, e isso para ele será um verdadeiro milagre. Lembremos o que diz o Texto: “O milagre nada faz. Tudo o que ele faz é desfazer” (T-28; I; §1:1). Portanto, o milagre surgirá na mente do Filho de Deus como uma correção, mas ele não precisa ser um criminoso para que isso ocorra desta forma. Isto é o que ele precisa ter em mente. Se não quiser ter para si a correção por se acreditar culpado, como poderá perceber o milagre? Assim, em erro, ele pode facilmente acreditar que uma é realmente vítima do mundo que vê.

A disponibilidade para aceitar o milagre surgirá diante de uma inclinação em lembrar. Os milagres são para o Filho de Deus, não para sua vontade consciente. As ocorrências de milagre não surgem mediante uma petição. Não podemos saber todo o panorama do Plano de Deus; portanto, o que julgamos como milagre pode estar em erro. A cada dia, a cada hora e mesmo a cada segundo, os milagres estão disponíveis como ferramentas do desfazer. Mas não podem ser julgados como tal se forem compreendidos em forma julgável. Grande milagre é um dia de sol na praia, mas grande milagre pode ser a chuva que impeça a praia. Não sabemos a Vontade de Deus diante de fenômenos julgados. A tudo, sede grato.

Então, o milagre pode aparentemente ser julgado como algo “desfavorável”. Numa circunstância indireta, será necessário, então, deixar que a pronta-resposta ao milagre seja um desfazer igualmente indireto, no qual será necessária ainda a ferramenta “tempo” para que o sujeito da experiência possa lembrar-se disto no seu suposto “futuro”.

Outra forma na qual indiretamente pode-se perceber o milagre é através do instante santo. Numa conversa aparentemente banal, caso haja disponibilidade para isso, as palavras podem cumprir sua função simbólica como pressupostos de novas acepções. Ouve bem ao teu irmão, pois ele é o mesmo, e nele estão todas as respostas que tens em ti, mas que temes ouvir. Todos já receberam “alertas” ou “avisos” ou mesmo correções vindas de “outra pessoa”, muitas vezes de modo pouco usual. É o famoso “parecia que ele falava de algo que só eu sabia”, e em muitos casos assim o é. A dinâmica do instante santo não pode ser compreendida sem disponibilidade, e é por isso que as pessoas se encontram e não se ouvem ou se veem.  As pessoas temem-se demais umas às outras.

Por fim, as referências indiretas da verdade podem ser muito bem compreendidas no perdão. O perdão total, que permite que as referências milagrosas ocorram como correções, somente podem chegar ao sujeito da experiência se ele se abstiver de julgamentos de qualquer espécie. O Mundo Novo que surgirá de tal disponibilidade não poderá mais ser controlado por ele (ou, melhor dizendo, ele não mais terá a ilusão de controle). Ele faz um plano, ou tem uma ideia, mas entrega ao Espírito Santo e o mundo que ele quer será claro para ele como uma água límpida. Ele só não pode tomar decisões por conta própria. Isso é necessário aprender. Tens um Professor, um Amigo, que guiará tuas decisões de acordo com tua real vontade. As consequências que virão podem surgir em um cenário bem diferente daquele que imaginarias, mas lembra que o milagre surge como um ato em desfazer as ideias erradas que tinhas sobre tua incapacidade para cumprir tua função, por exemplo.


Pai, viemos agora a Ti em disponibilidade para possamos cumprir Teu Plano, Que é o de felicidade completa para o Teu Filho. Ele precisa de ajuda, Pai, pois não lembra Quem É. Fornece-nos Teus milagres para que o mundo descortine-se para ele, conforme ele possa compreender quanto de sua função pode ajudar o Teu Plano em despertar o Teu Filho, para que Ele possa saber da natureza dos milagres por si mesmo, e assim alcançar a glória da Tua Vontade. Amém. 

domingo, 4 de setembro de 2016

Sobre a confusão que nubla a inteligência.





“Não acredito, nem desconfio.  
Fico na minha.”
Arnaldo Antunes, em: Naturalmente.


               A mente não está para o corpo assim como o cérebro está para o ato de pensar. Segundo a acepção que o mundo dá para o que chama “mente”, o equilíbrio das forças que fundamentam o ato de pensar deriva de uma inteligência entendida como um fator de relações entre causa e efeito. Como as relações entre causa e efeito aparentam seguir-se, ela (a mente) precisaria desenvolver seu raciocínio baseada em um pressuposto lógico, no qual a entrega às conclusões se dá por conta das relações entre estes dois elementos no tempo.

               No entanto, a mente, conforme trata o Curso em Milagres deste elemento, não pressupõe um relator entre causas e efeitos como o mundo os entende e sequer deriva disto um acordo significante. Em termos mais claros, podemos dizer que a mente não abrange o significado e a causa em seus valores relativos, mas coloca em perspectiva verdadeira o que apreende diante da significação daquilo que é capaz de perceber como se tivesse sido “dado”, mesmo que em muitas vezes tal ato não pareça “fazer sentido”.

               Chamaremos aqui neste texto de “mente santa” toda referência à relação entre a percepção que o Filho de Deus pode ter de si mesmo diante de um fenômeno tido como um milagre. A consciência do milagre, portanto, não se dá através da mente ordinária, ou comum, pois ela precisaria de “razões” para entender seus pressupostos. A mente santa, diferentemente, atribui pra si uma referência muito diferente, baseada em terminologias que são distintas umas das outras pela característica presente na elisão de seus opostos, e não pela sua separação.

               Daremos exemplos em breve; mas, por enquanto, tentaremos entender o que se passa com a linguagem comum a que estamos condicionados e veremos mais claramente o que queremos dizer por “mente ordinária”, ou comum, que daqui por diante chamaremos apenas de mente, em contraposição à noção de mente santa, que queremos discutir.

               Obviamente, seria um erro desprezar a mente. Ela é a ferramenta que dá significado à separação, mas também é o instrumento que permite distinguir. A inteligência pode ser obliterada por conta de confusões derivadas de um uso indisciplinado da mente. Todas as pessoas são inteligentes. O atributo confuso pode, no entanto, fornecer a um sujeito a caracterização de si mesmo como confuso, que daí pode chegar a diversas conclusões equivocadas por conta do uso confuso da ferramenta de aprendizado que possui. No entanto, o aprendizado é uma característica de disponibilidade, e não pode ser desterrado como se houvesse sido “extinto”. Todas as pessoas são capazes de aprender, pois vida é aprendizado.

               Por mais que uma pessoa possa durante sua vida resolver questões lógicas baseadas na forma, tal pressuposto sempre ocorre mediante o confronto de elementos opostos. Não podemos pensar em calor sem ter para si o conceito de frio. Mesmo as noções abstratas — como no caso da palavra “democracia”, por exemplo — possuem uma terminologia que a distingue de outras, embora neste caso os contrapontos sejam escolhidos pela própria mente em conceituação, pois os termos abstratos não deixam claros seus elementos opostos de forma tão óbvia como no caso concreto de frio/calor, alto/baixo, claro/escuro etc. Para elencar um oposto para a palavra “democracia”, por exemplo,  a pessoa teria que inferir dentro de seu sistema de valores o elemento que a distingue, que poderia ser “o comunismo”, “a guerra”, “o parlamentarismo”, “a monarquia” e por aí vai. Assim, o sistema de opostos que permite que a mente “pense” faz suas próprias distinções diante do aprendizado que adquire. O aprendizado abstrato torna a pessoa capaz de mentalizar os opostos diante de conceitos que ela mesma racionaliza. Já dissemos que os termos concretos, por outro lado, são mais imediatos.

               Na linguagem cotidiana, o ato de falar apreende suas significações a partir do sistema de relações entre opostos. A cada vez que se procura comunicar algo mediante o uso da linguagem racional, tem-se que distinguir seus usos, e isto é feito sem interferência do pensamento acerca deste processo, ou seria praticamente impossível dizer qualquer coisa, pois teríamos que saber de qual oposto falamos para poder emitir algo. Poderíamos, por exemplo, dizer que temos medo de altura, mas não precisamos para isso dizer que nos sentimos seguros em lugares planos ou que a altura pressupõe vertigem por conta de sua constituição “longe do chão”. Quando alguém diz que ama, não precisa pensar em ódio ou em desfavor. Nem mesmo no caso do frio, que alguém pode evocar diante de uma noite fria, precisa ser lembrado em contraposição ao calor, pois seria um tanto estranho dizer: — você pode fechar essa janela? Pois não estou sentindo muito calor. Certamente, seria mais razoável dizer: — Você pode fechar essa janela? Pois estou com frio. No entanto, essa mesma pessoa poderia pensar que preferiria estar numa linda praia no verão ao invés de estar sentindo frio. Mas isso, pensado assim, não faria mais parte da constituição inicial de seu pensamento, pois o que ela queria era fechar a janela e deixar de sentir frio. O pensamento posterior surge de um desejo mediante o julgamento do frio como algo não desejável. Poderíamos dizer que, nesse caso, a mente busca livrar-se de suas circunstâncias de mal estar julgando uma situação atual de acordo com o estado separado em que se encontraria mais favorável. E esse estado é o oposto de outro. Assim, sempre que algo está acontecendo no agora, e é julgado, é sempre julgado em favor de seu oposto separado. Por isso se diz que a mente somente pode fornecer seus sentidos mediante a pressuposição dos opostos. E é por isso também que a mente é a ferramenta capaz de “pensar” a separação.

               A mente certa, ou mente santa, não opera assim. A mente certa, que não julga, não pode ser compreendida pela mente ordinária, ou comum, pois para que o conceito de mente certa pudesse ser compreendido pela mente comum, ela teria que comparar a mente certa com um oposto. Para a mente ordinária, ou comum, a “mente que não julga” é meramente a mente paralisada, ou a mente que está em silêncio, ou a mente que não faz nada e é inútil, ou qualquer pressuposto que possa fornecer-lhe uma contradistinção. Sem distinguir, a mente pira, e o caminho é mais ou menos por aí. É impossível para o pensamento racional distinguir o estado mental da mente certa em contraposição a um oposto. Assim, é igualmente impossível pensar como estás acostumado a fazer se quiseres usar a mente certa a teu favor. É preciso aprender a não julgar simplesmente, sem estar-se condicionado a procurar entender que se está “deixando de julgar”.

               Por isso que tanto se fala no Curso em Milagres sobre disponibilidade. A mente do Espírito Santo, ou a mente certa, não está atrelada a um sistema de pensamentos baseados em contrários, simplesmente porque ela não está baseada em opostos. O iluminado não é o contrário de um tolo, assim como Deus não tem oposto. Se quiseres fazer uso correto de tua mente ordinária, ou comum, será preciso que estejas disposto a entender que os opostos não tem fundamento. Assim, nenhuma conclusão a que chegas pode ser segura através da mente comum, que pensa sempre em separado e em relação a opostos. A única maneira de escapar disso é começar a pensar de um modo totalmente diferente. Por isso discorremos agora acerca da alternativa que Um Curso em Milagres oferece.

               A mente certa não é um mecanismo de pensamento. Ela não está em busca de comparações ou associações. Cada pressuposto que se atém à mente como se fosse um pensamento é compreendido pela mente certa como a ocorrência de um fenômeno irreal. A fonte que anuncia o modo de operar da mente certa é totalmente abstrata, mas de um modo bastante diferente dos termos pelos quais exemplificamos com a palavra “democracia” anteriormente. A abstração a qual nos referimos aqui não pode ser pensada, pois ela não tem forma e, portanto, não tem oposto. Podes lembrar agora do que está escrito no Livro Texto sobre o conhecimento, que não tem nenhum tipo de paralelo com a percepção. Somente o pensamento é fundamentado na percepção. O conhecimento é abstração sem forma, e o pensamento da mente certa, embora possa constelar-se como uma forma (palavras, imagens, sons) não pode ser jamais comparado com outra coisa contrária ao que entrega, pois o pressuposto do pensamento da mente certa é a certeza e somente a oposição produz dúvida.

               Poderias, entretanto, dizer agora que, quando sentes frio, tens certeza de que estás sentindo o frio que sentes, pois ainda confias na tua percepção como a tua única realidade. Decerto, podes também pensar que não estás sentindo calor; mas a questão real que o pensamento certo da mente certa te propõe em termos de tua salvação é este: existe frio? Existe calor? A tua percepção é a realidade? Queres ser salvo deste mundo?

               Vamos continuar: o pensamento da mente certa é dado. Ele não precisa ser pensado ou construído. Ele nem sequer é aprendido. Pode-se dizer que ele é inconsciente até que estejas disposto a se entregar a ele. Mas por ser inconsciente isto não quer dizer que ele não tenha atuação. Se a mente certa não atuasse em teus pensamentos, seria impossível escapar. O pensamento certo é perdão completo porque ele não julga em relação a opostos. Ele sabe que o oposto do nada é o mesmo nada. A mente ordinária, ou comum, presta-se ao enleio da separação, e está todo o tempo julgando, ela não oferece perdão. É impossível para a mente comum silenciar seu julgamento, pois este é o modo de operar dela. Para não mais nos repetirmos, vejamos como a verdadeira inteligência vigora na compreensão pura, em lugar da mecanização da compreensão.

               Se a mente perdoa completamente, se a mente percebe a si mesma como íntegra, ela não precisa de opostos. A mente passa a servir ao pensador, ao invés de estar condicionada a entregar-lhe apenas resultados. Se não julgares, se quiseres aprender como fazer isso, tens que lembrar que a metafísica da mente certa abrange tudo, e o todo não está oposto ao nada, pois o todo abrange tudo. A mente certa tem onisciência, pois tem a mesma substância da Mente de Deus. Ela não está atrelada ao tempo. A mente ordinária está atrelada ao tempo, pois precisa de passado e futuro para “ter tempo” para que suas conclusões aconteçam. A mente certa conclui agora, sem precisar de tempo para isso. Ela apenas atesta, ela não favorece nenhuma conclusão. E bem sabes que essa conclusão não será feita por ti.

               Toda resposta vigora nisto: não estás neste mundo, onde percebes a ti mesmo como um corpo. Nisso tens que investir toda a tua fé. Se tens um problema ordinário para resolver, a própria percepção disto como um problema já te coloca em condições de julgar. Seja como Jesus, Que não se preocupava com Seus problemas, pois ele nunca pensou que tenha tido algum. O descortinar da solução é claro para aqueles que estão apenas deixando a si mesmo serem, sem interferir nos resultados. O ego quer ganhar o mundo, pois ele quer concluir. O modo de ser da mente abstrata é altamente condicionado a um pressuposto que não define nada, pois tem confiança certa na certeza, e não na dúvida.

               Sobre a metafísica da mente certa, que inclui a tudo, podemos divulgar certamente que ela sustenta as imagens deste mundo que fizeste como um todo, integrado, ao qual queres dominar. Deixa que as coisas sejam por si mesmas, elas estão totalmente integradas na mente certa. Esse mundo já acabou há muito tempo. Apenas fazes uma travessia na tua imaginação. Liberdade não é entender, é se entregar. Ausência de defesas é liberdade plena. Isso parece “difícil no começo, eu sei que é, mas depois não é mais não”. Confiança é a primeira característica dos Professores de Deus. Tampouco fique a tentar se adequar a qualquer coisa que seja. Esse dia é de Deus. Entrega a Ele, e Ele te proporcionará as surpresas de amor que são totalmente alegres e não tem em si nenhum tipo de definição. O Filho de Deus não teme o incompreensível, pois ele sabe que de nada sabe, mas tem certeza de que é amado totalmente, e é por isso mesmo que ele pode perdoar, pois não existe nada para perdoar. Inteligência é entrega. Toda conclusão inteligente surge de uma obviedade, pois inteligência é a simplicidade em estado puro. A mente certa é de uma obviedade fantástica. Em breve saberás disto pela tua própria experiência.

               Pai, viemos agora em petição de amor, para que possamos lembrar-nos de Tua Mente Certa, para que saibamos Dela por Si Mesma, e para isso abandonamos nossa vontade de controlar e pedimos em humildade verdadeira que Tu nos ajude a lembrar de nossa grandeza, pois somos Teus Filhos e tu não negas a Teus Filhos aquilo que Eles Mesmos São. Lembra-nos disto, Pai. Amém.
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""Agora a memória não é senão o impedimento a essa inteligência; a memória é independente dessa inteligência; a memória é a perpetuação dessa consciência do “eu” que é o resultado do meio, desse meio cujo significado completo a mente não viu. Portanto a memória estupidifica, frustra a inteligência que está sempre a devir, a inteligência sempre em movimento, intemporal. Mente é inteligência, mas a memória impôs-se à mente. Isto é, a memória sendo essa consciência do “eu”, identifica-se com a mente, e a consciência do “eu” aparece como se estivesse entre a inteligência e a mente, assim dividindo-a, estupidificando-a, frustrando-a, pervertendo-a. Portanto a memória, identificando-se com a mente, tenta tornar-se inteligente, o que para mim está errado – se é que posso usar aqui a palavra “errado” – porque a mente em si é inteligência, e é a memória que perverte a mente nublando assim a inteligência. E por isso a mente parece sempre procurar essa inteligência intemporal, que é a própria mente."

(Krishnamurti)
               

sábado, 2 de abril de 2016

Sobre o perdão das ilusões



            PERGUNTA:
Por que é dito no UCEM que uma das maiores dificuldades para achar um perdão genuíno é que ainda acredita-se ter que perdoar a verdade, e não ilusões?

 RESPOSTA:
A ilusão não pode ser perdoada verdadeiramente, simplesmente por não existir nada de real nas imagens da ilusão no formato mundo. No entanto, quando as ideias que configuram no mundo sua “aparência de existência” vigoram na suposição de que existe  algo real a se perdoar aqui, damos realidade ao erro. Assim, surge através do perdão dado deste modo uma espécie de justificação da condenação, pois agora o erro é real, e se o erro é real, podemos inclusive nomeá-lo “pecado”. O perdão que admite a realidade do erro visa conceber um pecador.

A contradição presente nestes termos divulga, por oposição, a sinceridade presente no perdão que se dá independentemente do ato a ser perdoado. O perdão que não julga, ele não vê o erro como um pressuposto para doar bondade. Por outro lado, o perdão associado ao conceito de erro como algo ilusório é uma verdade por conta da característica permissiva de correção por parte de algo errado, passível de correção, e que não é nenhum pecado. Já a contra-parte do perdão que visa incorporar a culpa ou uma condenação expiatória ao erro, visa demonstrar a superioridade daquele que perdoa “até mesmo isso”.

Isso não é perdão — é doença. Por isso se demonstra claramente que perdoar não é ver o erro como condenável, para depois “desculpar”. Jesus nos adverte: “observa a trave no teu olho antes de ver o argueiro no olho de teu irmão”.

A consciência do erro não visa ater condenação perpétua associada a um tipo de perdão. Não existem vários tipos de perdão. A palavra perdão não pode admitir plural. Perdoa-se apenas de um modo, pois existe apenas uma escolha a se fazer.

Vejamos: cada vez que na perspectiva da ilusão alguém adverte um caminho correto, procura-se distinguir o erro do acerto. Para finalmente respondermos à pergunta, dizemos que o perdão segundo nosso currículo associa uma total disponibilidade em não validar nenhum ato no mundo como real ao contexto plenamente divulgado de que o mundo é uma ilusão. Portanto, há apenas um tipo de perdão: o perdão das ilusões. Neste caso, poderíamos até chegar ao ponto de dizer que podes perdoar inclusive as coisas boas que são feitas a ti, mas isso seria um pouco radical, visto que não há porque se ater ao conceito de amor uma necessidade de perdão, pois o que vigora aqui como simbolo de amor não precisa de perdão, pois é a presença da sanidade se revelando em símbolos. Mas poderíamos associar ao claro estigma da ferocidade da paixão de Cristo, conforme apresentada nos filmes mais recentes, como uma associação em medo daquilo que fora apenas Jesus sabendo do perdão em seu próprio corpo, não associando ao ato da Paixão nenhum tipo de julgamento. Sendo assim, Ele não poderia crer que estava sendo levado para ser morto, pois tudo ali era perdoado e estava-lhe sendo revelada a clareza das ilusões. Notadamente, isto somente poderia ser realizado por alguém altamente presente. Nisto, podemos verificar igualmente que não houve real sacrifício, pois ninguém morreu naquela ocasião. E por demonstrar que não existe morte, Jesus também nos adverte que o ato da crucificação não precisa de ser repetido, pois sua mensagem é a ressurreição.

Portanto, a verdadeira ação do perdão reside no pleno poder de associar à ilusão a característica ilusória que a define. O perdão é a consciência da irrealidade da forma. Exercitar o perdão vigora na não validação das formas do mundo, conforme disse-me certa vez meu amigo Marcos Morgado. Por isso também se adverte no UCEM para que se perceba o perdão tal como é. O perdão não é barganha, tampouco visa condenar afirmando o erro. O perdão livra a forma de qualquer tipo de condenação, por associar ao erro sua característica de irrealidade. Convém se possuir ética para uma vida calma, e honestidade para solidez da mansidão, mas nenhuma virtude pode ser associada à verdade como barganha. Vide para isto a história do Bom Ladrão.

Perdoe e ame.

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domingo, 13 de março de 2016

Sobre a mudança de caráter



                O caráter não visa confundir o próposito da salvação. Ninguém será condenado por conta de seu caráter, pois apenas o pecado é condenação, mas o pecado não existe. Um caráter “pecaminoso”, portanto, é impossível. O fato é que o caráter é uma ideia, e se a ideia deste caráter for condenável, o autojulgamento forçosamente tende a gerar culpa dando forma à ideia. A culpa, na verdade, é o fiel da balança do caráter.

Você pode ter um caráter cristalino em sua concepção, mas isto não deterá o ego de invocar o medo.  Por outro lado, alguém pode ter sua formação fortemente associada à uma série de pensamentos forjados em alguma base cujo propósito é obter vantagens conforme o mundo advoga isto (tomar para ganhar, dar para perder). Se o caráter foi formado em uma base de muito medo, o conceito de vantagem pode surgir como um modo de escapar da punição, a qualquer preço.

O mundo tem regras que cabem bem nele, parafraseando o UCEM. Quando alguém encontra um “caminho fácil” ou a “porta larga” de que fala Jesus na Bíblia, referindo-se aos modos fáceis de se receber gratificações imediatas próprias do ego, uma acepção de controle se estabelece no seio da confusão, advertindo ao portador das ideias que forjam seu pensamento de que existe uma saída mais fácil, que pode ser inventada agora, e trazendo uma resposta muito imediata.

A salvação também é imediata, sua pronta resposta não vigora em termos do mundo e pode inclusive ser recebida neste instante. Mas o instante santo não possui nenhum oposto. No entanto, a imediatez do ego possui um oposto, que é a clareza. Neste mundo, possuir clareza é garantir ajuda na formação do caráter, pois para o ego não importam os meios; e os fins para ele também não existem, sendo então o caráter egótico voltado para a confusão de pensamento, o caos na ação e a gratificação imediata.

Não existe ego saudável. O ego é loucura e medo. O “caráter” vigora junto ao sistema de pensamento que a pessoa fundou no ínicio de sua concepção de mundo conforme suas ideias. Se forem ideias de julgamento em escassez, pode um caráter temeroso se apropriar de tal sistema de pansamento, e as soluções de vida que tal caráter virá a produzir serão tão e mais baseadas no medo que dificilmente deixarão de se mostrar insalubres e equivocadas.

O Curso em Milagres não visa alterar o caráter de ninguém, pois a forma como a pessoa compõe um mundo em ideias são inteiramente claras para ela, embora na realidade sejam uma verdadeira confusão de conceitos, que ora estão em harmonia, ora estão em conflito. Uma miríade de pensamentos estão à disposição da mente, o caráter mostra à pessoa qual tipo de pensamento ela mais valoriza e isto provoca uma ilusão de escolha baseada em um julgamento tão viciado que se torna quase uma pronta-resposta. Se alguém se acredita merecedor de punição, pode forcejar a crença em que a melhor escolha diante de uma situação é ser punido, então tomará decisões baseadas na culpa por ter feito isso ou aquilo. Se seu investimento de mundo estiver fortemente baseado na escassez, ele pode acreditar melhor sofrer uma punição imposta por si mesmo, através de seus pensamentos, que esperar que Deus venha e lhe faça justiça. Isto está bem mais esclarecido no UCEM quando diz que “o ego acredita que punindo-se vai atenuar a punição de Deus. Entretanto, mesmo nisso ele é arrogante. Atribui a Deus uma intenção de punir e então toma essa intenção como sua própria prerrogativa. Tenta usurpar todas as funções de Deus como as percebe porque reconhece que só a aliança total pode ser confiável.” (UCEM, Texto, Cap 05, V, §5 - 6:9).

O valor que o ego dá ao caráter é de uma aleatoriedade tamanha — já que não sabe o que busca — que nunca poderá haver mudanças, pois seu sistema de valores está arraigado em um sistema de pensamento que valorizou o erro. Mas a mudança de caráter significa acepção de valores novos a partir da alteração no sistema de pensamento que toma a decisão. Assim, uma decisão acertada que é compreendida pela mente como um valor verdadeiro, pode substituir uma decisão errada em favor da mente certa. É aceitável pensar que uma mudança de todo um sistema de pensamento baseado em uma alteração de cada ideia errada por outra aceitável levaria duas vidas para se concretizar; mas lembre que este blog fala de um Curso em Milagres, e se te empenhares em Seus Exercícios, teu sistema de pensamento será corrigido por um Professor Que conhece o erro, mas não o valoriza.


Portanto, mudar o caráter (o sistema de valores do sistema de pensamentos) é uma tarefa que demanda disponibilidade real em abrir teu sistema de pensamentos para o Espírito Santo. Eis a real expiação. O perdão é a concretude da disponibilidade. Solta tuas ideias, elas não trouxeram nada em seu rastro. Na mesma medida em que perdoas, te aproximas de um conceito de ti mesmo que é favorável às escolhas certas, e verás que a mudança de caráter será uma translação de um valor errado para as ideias de Deus. E toda decisão tua é só disponibilizar-te a isso. Tenha fé que podes, e pratique os exercícios. 


Bem vindo aqui. Te amo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Uma nota sobre homossexualismo

               



             O homossexualismo pode ser compreendido como especialismo para alguns, que se viram como “diferentes”. Do mesmo modo, aqueles que são heterossexuais podem se contrapor aos homossexuais e acreditar que são “diferentes”, pois são “normais”. Na verdade, a ideia de contraposição, na qual alguém se crê diferente e se percebe em luta para ser igual ou defender-se fundamenta todo tipo de ódio e separação.

               O Curso em Milagres não é moralista, não fundamenta um comportamento único no qual a certeza da salvação estaria garantida na forma. Na verdade, diz que a forma não existe em si, algo já descoberto há muitos anos pela filosofia de Kant e por pensadores como Platão e Diógenes; mas nem mesmo essas ideias, que fundamentaram a existência de ideias e, portanto, de livros, podem ser compreendidas sem uma base, mesmo rudimentar, de aplicação. Neste sentido, o UCEM fornece uma via nova, com o Livro de Exercícios. Nele é possível encontrar um modo de treinar a mente em direção à compreensão de que a mente superior, ou a mente certa, não está divulgando caminhos diretivos na forma. Ninguém está certo ou errado. No entanto, quando alguém procura “forçar” uma certeza, numa aplicação totalizadora, como no intuito em se dizer que todos são homossexuais ou todos são heterossexuais, há produção de diretivas em forma de defesa. Ou seja, cada um gostaria que a “sua verdade” fosse a verdade de todos, para assim justificá-la. Somente alguém que busca justificativas para seu posicionamento precisa forçar verdades, e forçar verdades é totalitarismo. Já vi declarações de gays que diziam não gostar da parada do orgulho gay, pois não é preciso ter orgulho do que se é realmente; e também já vi declarações de heterossexuais que diziam nunca ter se preocupado muito com esse assunto.

               Não é preciso forçar a verdade para que ela seja tal como é. Nem há garantias de que exista uma propaganda capaz de dignificar o ser humano em tendência justa, isto é, sendo como ele é na verdade. Chico Science dizia que “não há mistério em se descobrir, o que você tem, e o que você gosta”. E é bem verdade que a própria natureza apresenta formas diferentes de ser que nada tem a ver com comportamentos diretivos.


               O perdão não é a busca por certezas, mas a certeza de que tudo que é buscado já tem em si o código de algum erro. Ame seu irmão, estando certo ou errado em sua composição de vida, e você sempre será benefícios. Deus é amor e é só isso que Ele tem para dar através de todos nós.

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