quarta-feira, 26 de julho de 2017

Sobre a culpa



 

A culpa mora no “arrependimento”, pois o arrependimento provoca a culpa quando remonta a uma ideia de punição. Pensamos que, diante de nossos erros, certamente algo pode ser devolvido como punição. A culpa tenta, então, “demonstrar” que há no indivíduo um atenuante, na forma de arrependimento, e que assim ele pode prosseguir na vida, mesmo em erro. No entanto, a culpa paralisa, pois apoia o medo como ferramenta para essa suposta expiação.

A culpa demonstra insanidade na medida em que apoia o medo. Quem pode dizer que um homem desenvolve uma parte de si mesmo através do erro? Apoiando o erro como forma de desenvolvimento? Certamente, não haverá nenhum problema com isto, pois podem existir “lições aprendidas” com o erro, mas desde que o erro seja visto como um equívoco, como diz o Livro. Mas se o erro precisar ser expiado através da culpa, o indivíduo que evoca a culpa para se expiar através do arrependimento torna-se um perverso torturador de si.

O totalitarismo nascido da culpa surge mediante uma “propaganda” feita pelo ego, exercida sobre o sujeito da experiência, diante da qual a culpa tenta provar que ele é uma pessoa totalmente normal. Explico: o sujeito culpado é visto como qualquer outro no mundo, sofre das mesmas mazelas e é vítima da sociedade ou daquilo que “lhe acontece”. Ele é vítima do mundo que vê: a culpa está lá fora, em alguém ou em algum sistema, e ele apenas se vê como um incapacitado diante da impossibilidade de mudar para melhor as mentes ou condições externas a ele.

Ou por outra: pode também ver a si mesmo como o pior diabo de todos, e assim precisa imiscuir no seu proceder formas diferentes de aceder ao medo, diante de corroborações de erros e faltas de virtudes morais, éticas ou mesmo a falta de honra diante dos seus pares. Seu apoio interno a este tipo de desídia lhe traz mais para perto de si mesmo, e o solipsismo decorrente de tal modo de ver a si mesmo é o isolante social que o faz ver em todas as pessoas alguém que lhe é melhor, ou mais honrado, ou moralmente mais valioso etc.

Assim, a culpa surge por dois tipos de viés: de dentro para fora, quando o sujeito da experiência se vê como um pobre coitado diante dos outros, segundo sua “nobreza” em perceber a si mesmo como um pária. Ou de fora para dentro, quando o indivíduo se vê como um cosmopolita dissolvido na massa, ou um lavrador diante da natureza, ou qualquer outro tipo passível de ser oprimido por alguma força exterior.

Estes dois modos de ver leva o sujeito da experiência separada a crer que a única maneira de se ler como um indivíduo se dá através da imitação. O Curso diz que no relacionamento especial se busca trocar a si mesmo por alguém de mais valor, mediante a incorporação de um modo melhor de pensar, ou um modo de agir mais condizente com a vida etc: “(...) quando (o ego) acha o relacionamento especial no qual pensa que pode realizar isso, ele se desfaz de si mesmo e tenta se “trocar” pelo ser do outro”.

Quando a culpa emerge com toda sua força diante destas fantasias, afirma exatamente o que é a propaganda do “real” que está por trás de todas as desculpas listadas acima: você é um pecador por ser como é, e merece punição e morte. Ou mesmo coisas que atestem isso, através de algum símbolo de mal viver. O sentimento que isto provoca muitas vezes é escamoteado através de muita procrastinação ou por meio do sentimento de vitimização, mas sempre surge como um sucedâneo para o medo da vingança que o erro certamente trará. Se você pensa assim, as coisas se darão assim.

O Curso em Milagres vem em nosso auxílio para dizer que isso não precisa ser assim. A independência não é isolamento, tampouco o sentimento de admirar os outros não precisa se destacar em especialismo. O Curso deixa muito claro que cada um tem uma função aqui que somente ele pode realizar. O livro diz ainda que és livre para procrastinar, ou para buscar apenas relacionamentos especiais, baseados no medo de valorizar suas próprias ideias. No entanto, há um Amigo capaz de remontar ao teu repertório de pensamentos as ideias que podem desfazer tudo isso. 

Esse Amigo é o Espírito Santo. Ele não pode estar contigo se tu mesmo não permitires. Ele pode ser encontrado em ti mesmo, dentro de ti mesmo, e também no dentro que vem de teu irmão, quando vires o teu irmão como o mesmo. Nunca poderás especializar “o mesmo”. Como seria possível? A natureza do mesmo é o amor que com amor se doa, e depois se estende, totalmente diferente de como o mundo nos ensinou a completar. O que se paga no especialismo é a morte. Não a morte mortal, pois a morte não existe, o corpo é um fiel depositário de um recursto muito limitado a que chamamos ego. NO todo, no “por dentro” de teu irmão, estamos reunidos não como “uma unidade partida em muitos”, pois  esta é a definição do sonho. Na verdade, pensemos assim: o homem quando vê o visto, segundo o filtro dos preconceitos de seus dias, vê ideias que lhe fornecem os sentidos de seus dias. O Espírito Santo nele também vê o dia, mas não acredita em matéria e forma, e assim divulga Suas Próprias Ideias para aqueles que se permitem ver. No entanto, imaginemos um suposto "homem A", que vê suas ideias de acordo com suas experiências. Certamente, tal homem pensa ser diferente do "homem B", que utiliza para si outro filtro ideológico para se ver no mundo. Contudo, se pudéssemos “desfazer” a personalidade do tal "homem A", que tão diligentemente o próprio "homem A " construiu, e depois “desfazer” a personalidade do "homem B" que tão diligentemente o próprio "homem B" construiu, os corpos A e B veriam o mundo “puro”, aparentemente através do “nenhuma personalidade”, mas, realmente, segundo a ótica do mesmo. O mesmo não é um complexo de ideias que tem seus dias contados. Desfazer isso não traz nenhuma perda.

Obviamente, tais coisas são vistas como mentiras pelo ego. A culpa demonstra claramente que o valor de todo o estratagema de se sentir bode expiatório do medo tem valor, e que melhor seria morrer a desfazer o que não existe. No entanto, como uma certeza plena, fica a garantia de que ninguém pode desfazer a vida, mesmo se um meteoro caísse aqui na terra e destruísse o planeta. A vida é uma instância imaterial, não precisa de matéria (humana ou extra-terrestre, se você pensou nisso) para existir. A vida é um “a-priori” a-priori.  

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segunda-feira, 24 de julho de 2017

Sobre a liberdade





O tempo dita as regras do cotidiano. Uma causa não admite jamais que não haja sobre ela um efeito. Se tu és um efeito de Deus, como poderia que a Causa disto pudesse ser uma evidência em favor do tempo? O diâmetro que circunda os dias, as eras, a história como ciência ou como uma procissão de fatos não nos diz quem somos. Um tempo virá em que o momento presente será a medida de todas as coisas. Até lá, a ciência histórica ou a procissão dos fatos dirá sobre o homem o que significam seus erros, traduzidos em efeitos e causas. 

Mas — repito — se tu és um efeito de Deus, como então admitir que de alguma maneira o tempo possa te determinar e dizer quem és, ou onde erraste? O pior inimigo da verdade é a mentira sobre si mesmo, não é? A proclamação de independência não pode ser contextualizada se não houver uma metáfora que a reitere como causa, diante de fatos. Assim, por mais memória que se aplique ao reter dos fatos, sempre haverá um resíduo de julgamento. 

Até onde pode ir um homem em busca da verdade sobre si mesmo? Se ele pensa que pode encontrar uma memória que repita seu ser diante de sua história — como uma injustiça recebida ou cometida — necessariamente ele se condena ao passado. A causa estaria lá onde foi cometida/recebida a injustiça. Como voltar lá para remediar/restaurar? 

A servidão voluntária é um erro. Ninguém pode se sujeitar a um erro diante de fatos que o justifiquem como tal, a não ser que seja insano. Uma doença mental, entretanto, pode ser curada pelos milagres com tanta facilidade quanto uma doença física. Se tu és verdadeiro em teu coração, como poderias encontrar medo diante de pessoas dignas e decentes? Não será porque tais pessoas te dizem que tu tens que estar errado diante de teu próprio medo? Ou seja, não será porque imediatamente te verias como ela e te perdoarias por tudo o que fizeste ou deixaste de fazer? As pessoas honestas, decentes e morais existem somente em especialismos.

Quem sabe o que fazer em qualquer situação é Aquele Que responde pela mente certa. Apenas ele sabe tudo o que é certo, em qualquer situação. Nem sempre o certo é uma correção moral ou um contexto ético válido para a pessoa. Muitas vezes, o contexto ético de uma pessoa foi forjado diante de muito  medo e falta de julgamento em favor de si mesmo, e assim se é colocado em meio a muito desfavor mental e perigosas neuroses insidiosas que precisam de algum deságue, geralmente nem um pouco ético.

Talvez, se um prior de um condado esquecido na Alemanha ou na cidadela armada no Chile dissesse sobre si mesmo o que espera da vida, ser-lhe-ia fornecido um ponto de vista mental e ele poderia ou não acreditar naquilo.  Mas não é o medo quem trama as conseqüências surdas da derrota ou vitória. Na verdade, tudo o que se especializa em novidades aguerridas traz consigo a vontade deliberada de sacudir um pouco a poeira da moral, da ética. 

Sob o signo de Jó, podes pedir uma experiência durante vários anos, e não verás nada, porque és arrogante e queres tudo como barganha. Só precisas vir com as mãos vazias, até mesmo de força de vontade, desde que estejas pronto para não querer sujeitar-se a nada deste mundo. Nem mesmo à morte. 

Mas ainda queres algo aqui, ainda acreditas que vale a pena buscar, ter, adquirir, fazer, receber com glórias ou se definir com medo. Tolices, mas altamente valorizadas. Tolices, mas duramente aprendidas. Agora, o medo pode definir melhor quem és, pois há coisas a se fazer, e podes temer não conseguir.

A experiência vem a cada um quando estiver pronto, como diz o Curso. O momento não é agora, mas está próximo, pois a tua decisão foi firme e não foi feita no tempo. Não pode ser mudada. 

Pai, venho pedir-te de mãos abertas e livres de qualquer desejo que seja feita a Vossa Vontade. Venho dizer que não tenho nada a adicionar que não seja loucura e medo. Não peço função nem coragem, apenas a sadia expressão de Ti, diante daquilo que queiras Teu, e nada mais adquiro como vontade própria. Mas peço tua compreensão amável e teu olhar voltado ao Teu Filho, pois ele te ama e te espera, como um Filho, Que Ama Seu Pai. Amém.  

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