“O teu valor não é estabelecido pelo ensino ou pelo aprendizado. O teu valor é estabelecido por Deus. Enquanto contestares isso, tudo o que fizeres será amedrontador, particularmente qualquer situação que se preste à crença na superioridade e na inferioridade (T-4. I. 7:1-3)”.
Portanto, nosso valor não se depõe em aprender algo sobre nós mesmos, mas na forma em que dispendemos nossa fé. Deus nos ama e isso tem que ser crível no teu coração, de verdade. A disponibilidade para esta crença poderá nos ensinar mais do que qualquer coisa que se tenha “decorado” ou “aprendido”. Memorizar Um Curso em Milagres inteiro pode não oferecer sequer “um grão de amor”, enquanto um exercício feito com fé (portanto, sem decorá-lo), pode ser um provedor do desfazer que o milagre anuncia em nossa imagem mundo, geralmente condizente de maneira indiscutível com o conteúdo do exercício praticado.
Qual nosso valor, então, diante de um milagre assim? Poderíamos começar pensando sobre nossa mania em querer entender as coisas. No livro “O Idiota” (um ótimo título!), Dostoievsky apresenta esta fala quando o personagem Gánia Ardaliónovitch tentar explicar ao General Ivan Fiódorovitch certa circunstância sobre uma foto que trazia, mediante uma série de especulações que supunha certas. O General tentava dizer-lhe que pensar sobre uma circunstância qualquer pode ser presunçoso. Esta parte não faz parte do enredo do livro, mas podemos entender que o General sabia — intuitivamente ao menos — que uma compreensão geral das coisas foge a nosso propósito, e cabe somente ao Espírito Santo, que sabe tudo sobre nós mesmos e tem ciência do Plano Geral, julgar. Quem pode ter a presunção de acreditar deter para si o futuro sem projetá-lo? O verdadeiro entendimento é dado.
Mas para receber é preciso que se saiba aonde se quer chegar. A tentativa de Gánia Ardaliónovitch em entender certo acontecimento no enredo do livro, apenas por meio de inferências, mostra-nos que o personagem acreditava no poder da compreensão enviesada que temos diante daquilo que chamamos de livre arbítrio.
O livre arbítrio permite que o tomador de decisão possa optar por seguir o sistema de pensamento da mente errada quando ele bem entender. Não precisamos sentirmo-nos culpados quanto a isso, simplesmente porque não sabemos distinguir bem entre progresso e retrocesso, como o Livro Texto indica. Se soubéssemos, nunca escolheríamos ser o vetor pelo qual o pensamento do ego engendra neste mundo a aparência de realidade que transparece muito palpável em coisas como a doença e a morte, por exemplo. Mas até mesmo a famigerada morte não pode ser real, a não ser em um mundo no qual todas as coisas parecem estar separadas umas das outras, inclusive a vida da morte. Como diz muito bem o curso: isso não precisa ser assim.
Mas para o tomador de decisões parece ser muito sedutora tal aparência de poder que lhe dá a volição, pois tal critério é capaz de fornecer a ilusão de pensar diferentemente de Deus. Sim, aqui nesta pedra, girando em torno de um espaço infinito, podemos escolher pensar diferentemente de Deus. Temos o livre arbítrio a nos dispor para isso. E se você acreditar que pode usar isso a seu favor acionando o modo bel-prazer, saiba que você pode se atrasar o quanto quiser. Mas não esqueça que, ao escolher assim, será preciso lembrar a si mesmo que nos atrasamos somente pelo uso excessivo do sistema de pensamento da mente errada (o Livro Texto afirma que o tempo serve apenas para aprendermos a distinguir bem). Vou ajudar com uma imagem: tente pensar no domínio consciente que você teve de sua vida até aqui. Resulta em um extenso e constante corredor ou em um labirinto?
Espero que esteja acompanhando. Para isso, é só não fazer como Gánia Ardaliónovitch, que tentava entender. Basta seguir. Estou seguramente te direcionando através do sistema de pensamento da mente certa, simplesmente porque escolhi assim, pois, ainda segundo o Livro Texto, “o poder de decisão é a única liberdade que te restou como prisioneiro desse mundo (T-12. VII. 9:1).” Nossa liberdade reside em nos livramos da indecisão e escolhermos bem. Mas nossa capacidade de escolha tem sido obnubilada pelo véu do desejo em controlar, entender, sem saber ainda distinguir. Esse era o plano, lembra? Pois é, aparentemente não deu muito certo...
...aparentemente, pois a boa notícia é que não foi real. E agora podemos sair daqui. Certa vez Jesus disse a Helen Schucman (a escriba de Um Curso em Milagres) que a única coisa a se fazer em um deserto é fugir. Ter fé é simplesmente escolher subir na caravana.
O meio mais rápido está disponível no teu irmão. Sinto muito te desapontar, mas está nele. Qual deles? Todos. Sinto muito te desapontar outra vez. Neste momento da história parece mesmo muito difícil acreditar em uma afirmação deste tipo, mas muito desta desconfiança surge devido ao que chamarei aqui de espelho ego, ou, segundo nosso currículo, nossa ênfase na projeção. Uma crença em corpos separados com identidades separadas tem necessariamente que hierarquizar o mundo inteiro, dentro de uma noção de divisão, na qual as partes não são iguais, a começar pelo corpo de cada um e dos pensamentos privados que cada um supõe possuir. A crença em nossos irmãos separados tem criado neste mundo todo o tipo de disposição que envolva superioridade ou inferioridade, como já foi dito, pois tais polos surgem diante do medo da Filiação, ou seja, do medo da amorosa unidade que encontramos abundantemente disponível em nossos irmãos santos.
Ver diferente disso seria reduzir demais a teus irmãos e se colocar em um patamar de inferioridade e/ou superioridade. Não é preciso dizer o quanto isto é cansativo. O que chamo aqui de “espelho ego”, por falta de um nome melhor, é nosso irmão visto ao contrário do que ele realmente é. O espelho ego é a antítese do instante santo, e podemos dizer, repetindo este bordão que tanto gosto de usar (neste momento da história), que no século XXI boa parte dos encontros entre o que chamaremos aqui de seres humanos ocorrem sob o modo espelho ego.
Nossa esperança pode ser reforçada mediante este lembrete constante no Livro Texto: isto não é assim. As imagens podem auxiliar bastante, e foi apenas devido a isso que viemos por aquele caminho. Pois bem, é isto que temos que nos esforçar em ver em nosso irmão: luz; em qualquer circunstância em que ele surgir, pois ele tem que ser tão santo quanto nós somos, caso queiramos mesmo escapar do deserto. Isso se faz através do perdão.
Para que isso seja assim, temos que confiar em nosso irmão com total disponibilidade. Basta lembrarmo-nos disto: somos totalmente inocentes. Fomos enlouquecidos pela culpa e agora não queremos mais isso. Temos que nos aproximar de nossos irmãos em completa inocência e confiança, em total certeza, sem relutância alguma, pois “a inocência não é um atributo parcial. Não é real enquanto não é total. Os que são parcialmente inocentes estão aptos a ser bastante tolos, às vezes. Enquanto a sua inocência não se torna um ponto de vista de aplicação universal, não chega a ser sabedoria. A percepção inocente ou verdadeira significa que tu nunca percebes de forma errada e sempre vês verdadeiramente. Em termos mais simples, significa que nunca vês o que não existe e sempre vês o que existe (T-3. II. 2)”.
Nosso irmão só existe para nós se nos apresentarmos diante dele em completa inocência, em total disponibilidade. Isto parece muito difícil, mas o curso garante que somente este primeiro passo é por nossa conta (“para ter, dá tudo a todos”), e mesmo nisto teremos ajuda:
“esse é um passo muito preliminar e o único que tens que dar por conta própria. Não é nem mesmo necessário que completes esse passo por ti mesmo, mas é necessário que te voltes nesta direção. Tendo escolhido ir por esse caminho, te colocas no comando da jornada onde tu e somente tu tens que permanecer. Esse passo pode aparentar exacerbar o conflito ao invés de resolvê-lo, porque é o passo inicial para reverter a tua percepção e virá-Ia de cabeça para cima. Isso entra em conflito com a percepção invertida que ainda não abandonaste, ou não teria sido necessária a mudança de direção. Algumas pessoas permanecem nesse ponto durante um longo tempo, experimentando um conflito muito agudo. A essa altura, podem tentar aceitar o conflito ao invés de dar o próximo passo para a sua resolução. Tendo dado o primeiro passo, porém, serão ajudadas. Uma vez tendo escolhido o que não podem completar sozinhas, não estão mais sozinhas (T-6. V. A. 6)”.
Pois bem, agora é a hora da mudança de direção do currículo, de uma tentativa de mudança em se exercer em volição e/ou julgamento para uma presença inteira diante de nossos amados irmãos. Eles estão aí e não te decepcionarão. Ao lado d’Eles estão os anjos, que vieram afinal. Se eles pedirem amor, você dá. Se eles derem, você também dá. Esse é o único resultado de soma zero, quando o mundo neutro deixa o amor se estender, pois a matéria não tem poder para coisa alguma (“nada do que vejo tem significado”).
Por fim, já que começamos falando sobre diferenças, como podemos medir a nós mesmos em relação aos outros? Já dissemos que medir a si mesmo diante de qualquer outro é tomar-se em hierarquias. Logo, nosso valor unitário somente pode ser definido por Deus, e não por nós mesmos, pois no pensamento separado provido pela mente errada sempre tomamos nosso irmão como um corpo diferente; e se ele é diferente, tal distinção em contraste tem que ser dada em algum grau, ou nível. Este grau ou nível pode ser de ordem familiar, de afinidades (amigos, colegas de trabalho ou partilhas de comunhão em ideais), pode ser que te ocorra que algumas pessoas sejam mais benvindas que outras, e aqui não quero dizer que tal tipo de preferência deveria ser necessariamente negligenciada. Mas a Filiação está em todos e em cada um, pois todo mundo responde por ser “o mesmo”, não existe especialismo de família, classe, raça ou crença para Deus. Tenha fé em todos. Sobre isso, são do escritor argentino Jorge Luís Borges estas palavras: “a preferência pode muito bem ser uma superstição”.
Ame indistintamente e o mundo será um lugar de puro amor. Antes de despertar, é preciso ver o mundo real. Vamos nos esforçar para isso.
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