quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Sobre a sensação de estar sendo advertido



Por que sinto sempre a sensação de “estar sendo advertido” nas entrelinhas do que vejo e ouço?

R: A advertência visa corrigir ou educar no sentido de um melhoramento, ao menos assim supõe aquele que adverte. Quem tem garantias do que adverte? O que se pode advertir que não esteja ligado ao futuro? Poderemos responder estas questões simplesmente, com uma única resposta. Para isso, vejamos algo sobre os relacionamentos especiais.

Especialismo é idolatria também. Há pressuposição de níveis no especialismo. Com tempo de estudo, podemos adquirir a crença de que o especialismo está restrito aos relacionamentos. Contudo, não é apenas neste nível que ocorre especialismo. Acontece que, entre nossos irmãos, o especialismo ocorre de modo mais ou menos explícito, pois vemos que há “hierarquias sociais” (familiares, profissionais, de afinidade etc) que nos colocam em bom termo para julgar os outros, para o ‘bem’ ou para o ‘mal’. Decerto, o especialismo entre nós e nossos irmãos trará o importante conceito do relacionamento especial, que vimos abranger os conceitos de amor e ódio especiais. Tudo isso para cumprir o teatro do mundo. Ver o irmão em igualdade, sem ressignificá-lo socialmente, é um contexto da lição que diz: “hoje quero ver meu irmão como a mim mesmo”.

Dois juízos não podem ocupar dois irmãos unidos em um.  Portanto, eles terão que desfazer-se de seus juízos durante o instante santo. Já dissemos que o instante santo é um conceito aproximado à noção de agora, pois o agora é o instante, e se ele é um instante disposto ao Espírito Santo, tal instante só pode ser santo. O agora santo, o instante santo, o tempo santificado. Isso pode ser percebido e sentido muito literalmente, como diz o Curso. Claro que ter medo de teus irmãos é um investimento bom para o ego. O medo sempre especializa o que percebe. Ele precisa de categorias, pois só vais elevar tuas defesas contra outras categorias. O que é visto como o mesmo não pode gerar temor, pois é a mesma coisa, e pode-se confiar em algo que é o mesmo. Mas cada ator no teatro do mundo é um ego “diferente”, visto em uma personalidade “diferente”. Como ter confiança em um cenário assim?

Realmente, parece impossível. A intuição do mesmo não é suficiente, nem a teorização da mesmidade. É preciso confiança em que não há dois irmãos ocupando o mesmo espaço em espírito. Não há dois. O número dois causou a separação porque trouxe consigo o conceito de opostos. Tu acreditas em duas — ou mais — coisas quando vês com tua visão física. Há, por exemplo, uma caneta ali, um lápis acolá, mais a frente uma mesa etc. Mas tudo é uma imagem só. Isso pode ser compreendido facilmente, mas não será de grande utilidade se visto com os olhos do corpo, pois será apenas a confirmação erudita de uma solicitação em espírito. Podes ser um erudito espiritual e logo estarás apto a ser rotulado dentro dos “graus”. Decerto, o próprio Curso fala em professores avançados, e aqui no mundo isso ainda é visto assim. No entanto, quem alcança o “avançar” sabe que regressa na medida em que avança, como diz o Curso. Todo paradoxo alimenta o desfazimento da lógica especial. Não adianta saber os conceitos do Curso. Nem mesmo todo o papel legítimo de ensinar está atribuído a uma erudição. Tudo o que precisa ser ensinado está disponível através do Espírito Santo. Ele está em todos. Ninguém precisa estudar para ser professor de amor.

Mas pode ser que sejas iludido de tal forma que para ti a busca pela tua herança natural se torne significativa. Neste caso, precisas aprender a desfazer o que aprendeste erradamente. Este é o papel do professor. Ele apenas desfaz o que não é necessário. O professor avançado é, na verdade, uma pessoa que já desfez o tanto que o capacita a ajudar melhor. Ele não é especial de forma alguma, já não mais aceita para si diferenças que inflam egos. Ele nem divulga o que não é perguntado ou mesmo não se atina apenas a terminologias específicas, pois aprendeu sobre especialismo para lembrar-se do amor, e aprendeu sobre o perdão para lembrar-se do amor, e aprendeu sobre para lembrar-se do amor.

Quando te sentes advertido, parece que o significado do mundo trouxe para ti uma reprimenda. Mas quem é o responsável por significar o mundo? Quem se entrega ao martírio da perene correção? Já dissemos aqui que o professor avançado aprendeu a seguir em direção do retorno. Isso pode ser ilustrado por uma viagem de volta. Na viagem de volta, o caminho passa a ser mais fácil, pois na medida em que chegas mais perto de casa, a estrada passa a ser relembrada com bastante familiaridade. Nem precisas mais ficar procurando placas ou sinais para achar o caminho, pois o caminho agora é novamente claro para ti, quando voltas.

Se estás a te sentir advertido pelos “sinais”, lembra-te do caráter simbólico do mundo. Não há garantias nos símbolos, não sabes ainda ver a harmonia diretamente. Quando julgas os símbolos, perdestes todo o mana, isto é, a energia vital daquela espécie de “informação”. Será que ainda crês que o Espírito Santo gostaria de te advertir com punição? Certamente, o Curso diz que as crianças choram quando lhe retiram um canivete ou uma tesoura. Não sabes o que são tesouras no mundo dos símbolos. O que pode te ferir? Será que sabes? Se soubesses, não precisarias de Um Curso em Milagres.

Os milagres são respostas claras a necessidades específicas. Eles são percebidos de modo muito claro por aqueles que deles participam. Podem não ser conscientes em algumas ocasiões, como muito bem diz o curso. Não sabes quando estás operando milagre. Ao falar banalidades aparentes em alguma espécie de brincadeira, podes estar a emitir algo muito importante para alguém, mas não sabes disto. Às vezes, nem a pessoa que ouviu percebe, mas há nele Alguém Que sabe. Por isso é tão necessário que disponibilizes também por fora da gravidade. O ato grave, da imposição de um milagre, não é possível em atos temerosos. Quando é assim, o sujeito que participa da experiência pode ter graves dificuldades em se recuperar, e tudo o que não precisamos é de aumentar o medo em pessoa nenhuma.

Portanto, a advertência que percebes vem de uma necessidade tua em “procurar milagres”. Existe por parte do ego uma ganância por experiências, digamos, espirituais. Ele precisa de tua disponibilidade em achar o maravilhoso, o fantástico, para nisso dispor novos significados. O mago, o guru, o médium, o santo, o professor avançado, o estudante, o revelador, o profeta, tudo são especialismos espirituais daqueles que entendem os “segredos do mundo” e estão atentos às suas mensagens. Ora, se o mundo é uma fabricação tua  e se estás a ler até aqui de alguma forma sabes disto  então o mundo pode trazer para ti sinais de ti mesmo. Se estiveres temporariamente obliterado pela mente errada, receberás respostas indignas. Se a mente errada “joga contra ti”, então o mundo parecerá sempre contrário, te advertindo sobre erros e punições, geralmente sem apontar nenhuma forma de desfazê-las ou, pior, insuflando formas ultrajantes. 

Por isso Jesus nos diz no UCEM que somente podes estar seguro quando estás “completamente despreocupado com a tua prontidão, mas manténs uma confiança consistente na minha”. A prontidão do ego para garimpar milagres é pífia e totalmente obliterada pelo medo. O que ele sai a procurar são fragmentos do fantástico, por vezes muito atraentes, como na malícia que há por trás dos truques de mágica. Se fores a se dizer responsável por todo tipo de predição, certamente assumes um poder mágico para guiar tua vida.

Tudo que o Espirito Santo transmite é fácil, seguro e amoroso. Ele não quer jogar xadrez contigo, nem pretende que montes um quebra-cabeça de dez mil peças para saber o que é o mundo. Muito menos vai a fabricar um "especialismo espiritual" para as imagens. Mais à frente vai se dizer no mesmo texto citado acima, do UCEM, que tua dificuldade em trabalhar em milagres está associada ao teu não aceitar da Expiação. Não precisas mudar o teu comportamento, já falamos aqui sobre a ilusão de bonzinho. Educação não é cerimônia, isto é certo, mas não tens que amar o mundo em comportamento, pois o comportamento é da personalidade e a personalidade é máscara e ego. A individualidade do espírito na união em instante santo mostra que mesmo duas personalidades muito diferentes, com opiniões bastante divergentes, parecem estar sempre de acordo, pois estes são amados e percebem a si mesmo como disponíveis. Isso é a elisão da personalidade em espírito. Não podes “fazer” isso em comportamento.


Quanto às perguntas iniciais, sobre advertência acerca do futuro e garantias de certeza, podemos dizer que já respondemos ao dizer que a prontidão é de Jesus, e não do ego, que busca construir um reino fantástico e enigmático. Podem ocorrer no teu dia coisas maravilhosas e realmente miraculosas, mas essas são sempre totalmente amorosas e seus significados são tão claros e imediatos que nem se precisa pensar sobre elas. Tudo que é enigmático é do ego. Tudo o que visa confundir não ajuda. 

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