O tempo é uma referência que mantêm a continuidade e a ilusão de movimento. Se uma pessoa encontra-se “parada”, ele se move através do tempo. Isso é facilmente perc eptível, pois ainda que tal pessoa permanecesse “parada” pelo resto de sua vida, seu corpo se moveria através das idades. Assim, o tempo é a “contagem” do transitar das formas através do espaço. Seu estado contínuo de mutação somente pode ser percebido no espaço. O espaço, por sua vez, é um símbolo do tempo nas formas, pois ao tempo não se pode ver. Contudo, um espaço qualquer é preenchido pelo tempo que se leva para percorrê-lo, seja através do olhar, no átimo da expansão e retorno da luz; seja fisicamente, através dos deslocamentos.
O tempo não adquire para si nenhuma característica atomística, ou material. No entanto, seu maior pressuposto é a orientação. Podemos dizer que a orientação é o propósito do tempo neste mundo separado. O tempo orienta o homem em sua ilusão de formas no espaço. Assim, um carro que passa em uma estrada não está passando em absoluto, pois o carro mesmo não pode mover-se no tempo, pois o tempo não é uma característica física. Por outra: o carro, ao percorrer os espaços, está traindo seu caráter imutável, e está adquirindo mutações de efeitos, que são totalmente apreendidos pelo seu devir. Neste sentido o Vitor estava certo em dizer que o devir apreende a noção de agora, mas apenas em sua característ ica puramente física, isto é, separada. O “agora”, enquanto uma probabilidade, não pode ser levado em consideração em absoluto, pois os argumentos de Epicuro reduzem a zero a probabilidade da existência do agora. No entanto, o agora pode ser pensado como uma hipótese, e, assim, mais uma vez o Vitor acertou ao verter o assunto à característica, ou seja, à entrega.
Mas o que o Vitor quis dizer foi isto: o espaço enquanto matéria se faz por sua transição em formas. Assim, as formas possuem em si o devir de suas mudanças de posição. Mas este “devir” é uma suposição ainda, na qual se atarefa uma experiência que demonstra a mutabilidade de tudo. A esta experiência nomeamos “agora”, pois ela seria o limite do tempo no espaço, e o limite do tempo no espaço é o “tempo zero”, o “instante este”, a absoluta supressão do devir, que é a presença.
Parece complexo, pois falamos de uma experiência que ainda percebes apenas potencialmente. No entanto, partiremos de um exemplo para auxiliar a compreensão. Digamos que uma bola está a rolar sobre uma mesa de sinuca. Se tirássemos uma fotografia desta bola em movimento, poderíamos dizer que “capturamos” seu antigo devir. Se pudéssemos tirar todas as fotos possíveis do deslocamento desta bola, teríamos sua trajetória “capturada”, e cada foto seria uma fatia de tempo ocupando um lugar na trajetória. Para uma determinada fotografia destas, poderíamos chamar sua imagem de devir, ou de agora, mas nunca de presença. A presença é o aspecto vivo do agora. O agora é uma ideia. O devir, uma intuição. Mas a presença é luz, pois a presença relaciona-se d iretamente com a entrega.
Assim, a única maneira de se falar do tempo, em suas formas separadas, sob o ponto de vista da cura, é através do agora ou do devir. Mas a única maneira de se perceber a experiência do tempo como uma ilusão se dá através da entrega.
Entrega a quê? Poderias perguntar. Entrega total ao que esta acontecendo. O perdão é ausência de julgamento da transição das formas. Não se sabe para onde as formas vão no decorrer do tempo. O tempo é uma estrada invisível onde coisas paradas mudam de lugar. Isso é o mais próximo neste mundo separado daquilo que chamamos Todo. O Todo é uma unidade em aspecto inefável. Quando dizemos que o Todo é simbolizado pelo tempo, queremos dizer que em si o tempo comporta todas as mudanças que ocorrem neste mundo separado. No entanto, como ele mesmo é uma característica da separação, a sua qualidade não é total, não é estável, e o próprio tempo é relativo. Assim, podemos dizer que a noção de agora e de devir são relativas. São “pontos de vista”, p or assim dizer. Mas a entrega é o símbolo da compreensão disto. E com ela vem o conhecimento daquilo que é impossível dizer aqui.
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