domingo, 22 de março de 2015

Sobre a beleza



A beleza em si não é uma ferramenta do despertar. Ela aparenta harmonizar e estruturar uma obra de arte, por exemplo, em verdadeiros símbolos harmônicos, mas estes podem ou não apontar para o real. Não são garantias da dissolução do pensamento errado. Podem, inclusive, ser mal interpretadas em favor do ego. No entanto, a beleza em si pode ser corretamente compreendida, de acordo com a mente certa, e assim pode ser apreciada como um símbolo da unidade.

Isto foi escrito com a intenção de destacar do contexto da idolatria o fenômeno da beleza, pois a beleza também deve ser compreendida como um nível dentre outros neste mundo separado. A própria necessidade de apreciação da beleza aponta para a necessidade de distinguir entre aquilo que é belo daquilo que não o é. Assim, os níveis são julgados como separados, quando algo precisa ser apontado como belo ou não.

Decerto, tudo que vem de Deus é belo. Mas a beleza neste mundo ainda não pode ser apreciada sem a correta acepção da própria beleza pela consciência. Por outra: uma mente aturdida pode acreditar que o belo está em qualquer lugar, simplesmente porque isto foi dito em alguma teoria sobre arte. Claro que a mente corrigida vê a beleza de Deus em todo lugar, mas a beleza artística, que provê o auxílio, não está determinada em uma única forma de apreciar tudo, como se tudo fosse “o belo” em si.

Há, na verdade, muita feiúra no mundo. Poucas coisas aqui apontam para o belo sem precisão de alguma educação para tal acepção. Mesmo a natureza pode ser obliterada por pensamentos, e o mais belo pôr do sol pode evocar sentimentos melancólicos visivelmente projetados, seja em um amor perdido, seja no cair da noite.

Mas como a beleza pode influenciar a mente certa no sentido de sua educação? Isso é possível? Na verdade, a mente certa é em Deus, ela não precisa ser educada, mas relembrada pela consciência. Portanto, uma obra de arte, como qualquer fenômeno entregue ao Espírito Santo, pode transmitir uma mensagem que te fará lembrar de ti mesmo. Essa mensagem não é exatamente um “recado”, no sentido de algo que seja diretivo, mas uma possibilidade de felicidade implícita no irrevogável sentimento de prazer estético que vigora além do corpo; um êxtase contemplativo, talvez um indício arrebatador, que inclui nisto um fenômeno catártico que o corpo pode perceber.


Tal disponibilidade é favorecida por obras cujo empenho em se dispor para sua feitura ocorreu em consonância com a mente certa, isto é, obras nas quais a disponibilização do artista prevaleceu. Muitas destas obras não são compreendidas à altura da vida do artista, ou não podem ser reconhecidas de imediato, pois o próprio artista pode não estar em condições de responder por elas. Embora tenha disponibilidade para a realização da obra, ele mesmo teme a mente certa, e projeta a beleza que está nele “para fora”, numa “obra de arte”, e muitas vezes o artista é tido como excêntrico, ou misantropo. Isto porque o medo pode ser muito grande em certos tipos de artistas, mesmo os de grande talento, para quem o anonimato é preferível e isto realmente pode favorecer bastante sua caminhada.

Em outros dos tantos casos possíveis, um artista pode ter consciência que sua arte faz parte de sua caminhada, isto é, que sua arte é parte de sua função aqui. Neste caso, desde que ele não esteja iludido nisto, sua obra será apreciada e o próprio Espírito Santo poderá auxiliá-lo no sentido de ele poder responder por sua obra.

Talvez, em um sentido mais amplo, a beleza artística, bem como a beleza que há nos atos do mundo, ou em seus panoramas e paisagens, não seja de todo um fenômeno “de valor”. Aprendemos que não existem escalas ou graus de ilusão. Não adianta “trazer uma ilusão a outra” para tentar resolver o conflito da existência. Em outras palavras, a idolatria da arte também não pode te salvar, embora ela seja sobrevalorizada neste mundo pelo seu claro valor de disponibilização. Há muitas obras de arte que foram realizadas em consonância direta com a mente certa. Mesmo assim, enquanto ainda forem compreendidas como coisas separadas, não podem atestar o mesmo, embora possam favorecer caminhos simbólicos favoráveis. Insisto, porém, no seguinte: mesmo a mais bela obra de arte realizada neste mundo, ainda é como uma parte desorganizada do todo que procurou simbolizar — na beleza ou verdade que contém — um segmento destacado daquilo que o Livro Texto diz ser “a capacidade da memória em lembrar o agora”; ou ainda um simples recordar daquilo que é realmente bom. A verdadeira obra de arte é sempre compreendida, não precisa ser explicada.

Mas a beleza, neste contexto, pode ser como qualquer outra coisa que é disponibilizada para o Espírito Santo. Isto precisa ser dito em favor da sanidade, pois a idolatria envolve muito medo em acontecer um evento favorável, e pode querer encontrar caminhos nos quais a disponibilidade estaria “garantida”.

A única garantia favorável ao despertar é estar em disponibilidade ao Espírito Santo. É ser sem defesas, é aceitar a Sua Voz como a de um verdadeiro Amigo, é amar como sendo o mesmo amor, sem apreciar ou desdenhar, pois o amor não julga. A beleza estará sempre presente nestas coisas, estejam elas desempenhando em obras de arte ou em abstrato, conforme é sua real natureza, da qual a obra de arte, bem como qualquer coisa separada, não faz parte, embora possa compreender desta linguagem.

Por fim, a beleza não está neste mundo. Ele surge aqui como símbolo e vigora em volatização, pois bem sabes que a apreciação de uma obra de arte, ou as sensações evocadas por ela, estão condicionadas a uma série de fatores mutáveis, mas a verdade é eterna. Um pode passar por uma ópera sendo executada no saguão do metrô e nem se dar conta, e outro pode ter uma arrebatação. Neste caso, a disponibilidade para perceber a beleza foi o fator preponderante. Mas se todo o dia tal fato ocorresse, poderia haver o caso de o artista tornar-se indisposto.

A arte universal demanda atributos universalizantes. O que achamos verdadeiramente bom é boa arte.