quinta-feira, 21 de abril de 2022

O mundo bom

E sejas tu o meio pelo qual o teu irmão ache a paz
na qual os teus desejos se realizem


O mundo é carente de amor verdadeiro e de relações reais. E tantas são as vezes em que nos queixamos por não presenciar relações assim! Por outro lado, será que esperamos sempre de outros a abertura? Será que não vale a virtude de apresentar-se neste mundo como bom para outros? Não será tal a ausência de misericórdia neste mundo que estejamos sempre culpando aos outros, deixando de incluir a nós mesmos como vetores de um mundo favorável ao despertar?

Todas estas perguntas parecem direcionar para a ideia de que o mundo bom precisa de um começo. Nós precisamos ser este começo. Não basta apenas esperar o amor como algo que vem de fora sem que estejamos dispostos a dar amor. Este é um ponto importante. Para ver o mundo bom, temos que ser o mundo bom para os outros também.

Este pequeno ato de coragem  em ser bom para os outros — precisa ser mais bem explicado. Ser bom não significa que você deva ser o cumpridor ético e moral de todas as virtudes que o mundo prega. Sabemos pela nossa própria experiência que o bom de hoje é o mal de amanhã, pois neste mundo tudo muda o tempo todo. Então não se trata de ser atoleimado neste bem, como fosse para sempre uma mão aberta diante de palmatórias. Palmatórias às mãos abertas são ilusões, e elas podem muito bem ser repreendidas. Não se trata de ser ingênuo neste bom, mas há uma forma de gentileza e de amor ao próximo que está presente em todas as ações, e se forem entregues ao Espírito Santo podem ajudar para que sejamos bons e educados, gentis e generosos, felizes em ver o nosso irmão e alegre em contagiar os encontros com boas vibrações. E não existe uma forma certa de se fazer isso. Mais vale xingar ao teu amigo no sentido contrário que chamá-lo por um elogio diante de uma hipocrisia.

Podes muito bem contemporizar que somente um santo conseguiria se portar desta forma em todas as suas relações. Realmente, neste mundo, em que algo bom pode se transmutar em ruim de uma hora para outra, isso não deixa de ser verdade. Mas deve haver uma predisposição nesta direção: quero ser o mundo bom para as outras pessoas, quero ser gentil, quero ser alguém que traz alegria, e se eu não puder estar neste modo de ser em todos os momentos, quero acreditar que posso me esforçar neste sentido e fazer isto sempre que me for possível.

O mundo bom não pode ser só um mundo no qual eu usufruo de suas benesses, mas é um mundo totalmente bom, tanto na ida quanto na volta. Não pode ser um mundo bom só para mim. Eu preciso fazer minha parte.

Ver o mundo bom é tão alegre e consistente que doar o mundo bom e receber as suas dádivas em bem se tornam valores com o mesmo peso. Tanto é bom dar como receber. É tudo a mesma coisa. Então ver o mundo bom pode muito bem começar com uma intenção em ser o mundo bom para os outros também. Pode ser necessário um esforço nessa direção no início.

Alguém poderia dizer aqui que ser bom para meu irmão e estar bem em relação a ele são ações que demandam autoestima. Convém lembrar o que o Livro Texto cita sobre a autoestima: “a autoestima em termos egóticos não significa nada além de que o ego iludiu a si mesmo a ponto de aceitar a própria realidade e é, portanto, temporariamente menos predatório. Essa “autoestima” é sempre vulnerável à tensão, um termo que se refere a qualquer coisa percebida como ameaça à existência do ego” (T-4, II, 6). Portanto, estar bem para teu irmão não é uma questão de autoestima e trégua. E o Curso define ser caridoso como uma ação em ver ao teu irmão como se ele já estivesse além de suas ações no tempo, que é o mesmo que dizer “olhar para teu irmão com olhar de perdão”. Não precisa de autoestima para se saber perfeito, o que só pode ser desdito pela arrogância. Mas nas flutuações deste mundo em que nós mesmos duvidamos disto, podemos evitar de duvidar da perfeição de nosso irmão em sua existência de além daqui e manifestar isso honrando-o.

Convém lembrar que o encontro é santo porque ambas as partes dele o são. Essa consciência ajuda a estar diante dos outros promovendo o mundo bom, sem medo de não “receber”. Tampouco estamos em busca de barganha. Seja educado, sem ser cerimonioso; seja gentil, sem bajulações; e seja amável e considere bem fazer isso mesmo em silêncio, honrando teu irmão em tua forma de pensar.

 

 

sábado, 9 de abril de 2022

Sobre o esporte

Entrega a Deus

Assim como qualquer coisa deste mundo, o esporte pode encarnar o ídolo. O ídolo sendo, então, algo percebido e dado a si a crença de real, divergindo de tudo o que é verdadeiramente real. Uma vez que não é possível que haja somente a afirmação “a verdade é verdadeira e nada mais é verdadeiro” para quem acredita em ídolos, o esporte pode, como qualquer outra coisa, ser favorável ao despertar, pois muitos milagres acontecem durante atividades esportivas.

É tudo a mesma coisa, mas falemos da crença no impossível apenas por enquanto. Alguns símbolos que as imagens fornecem — bem como as fantasias, as quais chamamos “costumes da civilização” — são todas irreais, tanto quanto a imagem ou fantasia portadora. Contudo, é preciso que seja inserida no rol das esperanças a própria esperança de que o impossível seja vencido, como nas palavras de Jesus. Embora essa ilusão tão convincente — como diz meu amigo Marcos Morgado — tome as vezes a forma de impossível, no esporte ela tende a ser desafiada muito costumeiramente, e a crença em vencer o impossível toma forma, em sua acepção mais contundente.

Não há nada a ser superado. O esporte como encarnação do ídolo possibilita crenças na vitória e na derrota. Essa crença é a base para muitos encantamentos diante da paixão que a crença em uma equipe/atleta vencedor engendra. O vencedor seria um valor em si, uma vantagem, um ato de conquista, e em grande parte o esporte suscita isso com paixão, o que pode vir a ser um tipo de idolatria, uma crença no irreal esportivo.

É comum vermos discussões entre torcedores, muitas vezes com um desenlace bastante inconsequente. Este aspecto da crença em que algo pode vencer outra coisa é uma ilusão. Mas neste momento da história, assim como qualquer outra coisa, o esporte encarna também campo largo para milagres.

Não se trata tampouco dos milagres de superação. Superar algo não é uma meta propriamente dita. Não há que se superar ilusões. “Eu venci o mundo” quer dizer apenas que não se crê mais em ilusões, algo que, neste momento da história, parece ser um feito realmente incrível. Cabe ao Espírito Santo, que olha para as ilusões e não acredita nelas, um julgamento correto sobre o que quer que seja. Assim, alta performance significa alinhamento com o Espírito Santo.

Mas o esporte alarga a medida da fé. Quando vemos um atleta competir como se estivesse entregue a algo “maior do que ele”, podemos entender este efeito. O piloto Ayrton Senna declarava que corria como se fosse “a pista que estivesse vindo”. Parecia-lhe que estivesse apenas a cumprir um ato pronto, dado, e ele era o vetor desta ocorrência que resultava em vitórias. A entrega lhe dava um aspecto de perfeição que o enquadrava entre atletas de alto rendimento.

Assim, pode o esporte permitir uma participação da disponibilidade do atleta em se ver com Deus. Claro está que Deus não tem preferidos, então, se o atleta oponente também estiver em Deus, teremos uma bela partida. E diante de adversários que se abracem, ganha também a torcida, que fica feliz com o espetáculo.