domingo, 18 de novembro de 2018

Sobre considerar as coisas deste mundo.



Considerar algo é pesar e valer. Logo, envolve julgamento. As considerações feitas acerca de qualquer atributo da separação dá-lhe valor e peso, e, portanto, justifica-o, fazendo de tal atributo algo real. Este é o valor da consideração conforme o mundo vê: algo agora possui nome, significado e valor.  Diante das considerações sobre os eventos do mundo, aquilo que não tem significado recebe distinção.

Os desejos, por exemplo, são considerações sobre adquirir algo. Corretamente atribuído, o desejo somente pode ser direcionado para tua disponibilidade à salvação. O desejo de salvar-se é a única escolha apropriada para o querer.

Considerar algo, então, é o mesmo que julgar; e, até certo ponto, desejar. Mesmo que o desejo seja em negativo, através de uma consideração que denigre ou busca evitar. O ego adora considerações equivocadas, pois, através delas, se apropria do mundo conforme o vê. O Espírito Santo também é capaz de tecer considerações, mas apenas para o correto julgamento, que não deixa a sua Fonte e é sempre o mesmo: tudo o que vês não tem significado.

Mas, se nada tem significado, como poderei viver neste mundo? Esta é uma consideração típica, mas caso seja corretamente compreendida, possui resposta diante dos parâmetros da mente certa, pois as coisas que vês são símbolos. Mesmo as coisas mais concretas, como um ônibus, por exemplo, podem ser compreendidas simbolicamente, diante de um julgamento que o classifica como um meio de transporte lento, útil, caro, desconfortável, necessário, valioso, dispendioso, poluente e por aí se vai aos milhares e contraditórios, dependendo do ponto de vista de quem considera. Assim, um significado por si só, o ônibus não possui, mas simbolicamente ele representa algo para quem o considera. A única forma de considerá-lo corretamente é no momento em que se o usa, sem precisar para isso pormenorizar mais que sua aparição em determinado instante.

Podes considerar, no entanto, alguma coisa a mais: um ministro dos transportes, por exemplo, não precisaria considerar o ônibus para além de sua aparição imediata, diante das necessidades em gerenciar sua função? Obviamente, sim. Mas a aparição imediata, neste caso, seria uma abstração de uma malha rodoviária na qual todos os ônibus da cidade estariam envolvidos; e um único ônibus, neste caso, seria algo não considerável.  Planejar corretamente é não perceber as coisas separadamente de seus usos. A função de um ministro é servir ao povo. E a melhor forma de servir é considerar corretamente: tudo o que vejo não tem significado.

(Não entendo. Desta forma, seria o caos. E veja aí que o mundo, com suas deficiências, possui alguma ordem.)

Para o pensamento orientado pelo ego, a ausência de ego seria o caos. No entanto, o homem Jesus tinha uma profissão. E certamente ele era muito bom naquilo que fazia. Posso dizer isso sem nenhuma dúvida, pois ele cumpria sua função aqui, orientado diante dos símbolos em disponibilidade integral. Um homem que precisa fazer algo vai lá e faz, não permanece apenas considerando. Aquele que demais considera é um charlatão; mas, para este mundo, pode ser visto como um homem de projetos, um profissional devotado, um sonhador, uma mente empenhada etc.

O que não se quer lembrar, oculta-se de si mesmo. É simples assim. Um homem que vê seus projetos irem por água a baixo pode não ter se disponibilizado suficientemente para uma realidade que lhe era própria e, em certa medida, pode ser até um invejoso. Assim, pode certamente atribuir a si mesmo vontades que não lhes são próprias, e justamente por ter empregado nisto um empenho valoroso, investirá no erro através de diversas considerações.

A cura para tal processo não está em procurar o erro original e trabalhar em cima disso, mas procurar o ato que separou o Filho de Deus de Seu Pai. A cura reside em perdoar o presente, para assim estender um futuro diferente do passado. As imagens-mundo que aparecem a tua frente são formas de pensamento materializadas, que ocorrem por duas vias: ou são criações tuas, ou necessitam de teu perdão. Assim, na medida em que consideras (julgas) as imagens como sendo sem significado, deixas de considerá-las em absoluto, e começas a ver a cura se manifestando como livramento, pois estás perdoando o passado no presente, e estendendo o futuro a partir do presente, e não retomando o passado.  Enquanto o método egóico de buscar uma desculpa para se manter afastado das imagens que te disturbam for atraente para ti, na mesma medida estarás preso, pois precisas perdoá-las para escapar delas.

Portanto, a única forma correta de considerar algo é perdoar. A honraria que se dá aos eventos que se sucedem é uma boa prática para isso. Nada é execrável, nada é louvável. Certamente, deve-se guardar o louvor unicamente a Deus e aos Seus atributos óbvios, que se manifestam neste mundo como tuas criações. Para saber se são tuas criações reais, mede, avalia e julga o que vês baseado em teus sentimentos. Se o medo não estiver presente, já há grande indício de valia. Porém, o Curso também diz: venha a Deus ainda que temendo-O, pois pode ocorrer igualmente que, diante de tuas criações, tenhas medo de tua verdade. Em casos assim, o perdão fica adiado, pois tuas criações não podem desaparecer de tua vista.

Abençoa a tudo e a todos. Traz a tua benção sob os aspectos do medo. Tu não precisas dizer isso literalmente ao mundo, mas pode fazer isso para ti mesmo, diante de pensamentos como esses: não sou condenado pelo mundo que vejo; o mundo que vejo não contém nada que eu quero; além desse mundo, há um mundo que eu quero; sou completo, curado, perdoado e íntegro. Qualquer pensamento assim, traz consigo o perdão e, ao mesmo tempo, honra tuas criações. Seja aquele que se preocupa com o mundo diante de sua ineficácia em significar qualquer coisa que seja, pois teu significado não reside neste mundo, mas habita em Deus. As tuas criações aqui te demonstrarão isto, fazendo com que vejas alegria — muita alegria — mesmo aqui. Apressa-te em perdoar, e sejas tu a liberdade que esperas em teus irmãos.

Pai, viemos neste momento pedir para lembrar de nossas criações, estendidas por Ti diante de Teus Pensamentos. Teu Filho precisa lembrar de Ti, meu Pai. E, assim, pedimos neste momento que revele-Se a Teu Filho, para que Tua memória presente possa ser lembrada por Ti diante Dele. Amém. 


terça-feira, 28 de agosto de 2018

Sobre a preocupação



O aparente terror causado pela entrega total ao sistema de pensamento da mente errada favorece uma série de ocorrências baseadas no medo. O investimento nas ocorrências tomadas como causas favorecedoras do medo adverte sobre a necessidade em se punir, fazendo o tomador de decisões sentir um grande arrepio diante do terror causado pelo medo. A única saída em circunstâncias assim é buscar a ajuda do Espírito Santo, que pode trazer até o sonhador alguma experiência acerca da consciência da verdade, notadamente como um apelo em sentido oposto ao sentimentalismo altamente valorizado por aquele que busca criar fantasias onde possa concretizar a punição e merecida.

Tudo isso é a loucura posta em prática. Alguém pode pensar, por exemplo, que tem uma doença mortal, ou que se lançou em um investimento de risco e pode perder tudo, ou ainda que existe entre sua situação de vida e a experiência de Deus algo mais valioso por aqui, mesmo que seja uma tragédia. E isso pode ocorrer diante de um belo dia de sol, quando nenhuma destas coisas realmente aconteceram, basta que o filho de Deus esteja inclinado a querer obedecer e investir pesadamente no sistema de pensamento da mente errada para que acredite que está em grande perigo, mesmo diante de cenários totalmente favoráveis a ele. Isso se chama entrega a insanidade, e é um efeito da  disponibilidade mal dirigida.

A preocupação é uma forma egótica de evitar o presente e, em casos críticos, pode levar o sujeito da experiência a sentir incomodado com a própria vida. Obviamente, ninguém tolera um estado de coisas no qual o próximo passo será a tragédia. Isso é o que busca antecipar a preocupação. O ego adora preocupações, ele se alimenta muito bem delas.

Não importa para o ego se as preocupações são reais ou não; se são plausíveis ou meras fantasias, pois ele fará transparecer o medo com tanta ênfase que o sonho terrível tornar-se-á uma tese, abonada por fantasias que a apoiem, todas criadas na mente do sonhador, ainda que haja evidencias diretas contrárias a tal tese, pois o que se busca diante da preocupação é manter o medo ativo, custe o que custar, doa a quem doer.

Isso pode ocorrer mediante um ataque, por exemplo, em ocasiões nas quais o tomador de decisões escolhe mal e procura se antecipar à dor diante de uma exposição direta de suas fantasias projetadas em alguém.  Essa forma de alívio é típica e um sintoma tão óbvio que somente alguém muito comprometido com o sistema de pensamento da mente errada poderia admitir para si mesmo alívio a partir da culpa projetada em outros. No entanto, como a completa insatisfação causada pelo medo é intolerável, a saída “ouvida” por aqueles que “dão ouvidos” aos conselhos do ego visa “compartilhar” a dor, e assim surge a necessidade em se “dividir” a preocupação.

A projeção da preocupação pode tomar formas políticas, por exemplo, mediante o apontamento de injustiças sociais. Ou pode ainda ser aderida a uma causa dita humanitária, quando alguém busca aliviar o sofrimento de terceiros a partir da experiência de seu próprio sofrimento, desde que a ênfase no sofrimento recaia sobre o outro. O ego regozija-se em ver o sofrimento, pois acredita nele.

O Espírito Santo, de maneira completamente oposta a tal insanidade, não vê o sofrimento de modo algum, pois não acredita nele. Sua ajuda verdadeira busca demonstrar ao sonhador que suas preocupações são irreais, mesmo quando possuem “testemunhas” ou “evidências”, pois ao Espírito Santo vale relembrar ao sonhador que nada do que é visto em sonho é real. No entanto, muitas vezes as fantasias do ego são tão exacerbadas e dirigidas para sua interpretação dos fatos, que uma medida exterior de contemporização pode ser aceita como um veio para a cura, através de um médico que auxilia um paciente, por exemplo. Neste caso, a cura teve que ser dividida, e tomou neste mundo a forma de seu oposto, a doença. O médico e o paciente também fazem parte de um sistema de opostos, assim como o a preocupação e a "solução de um problema". No Mundo Real não existem problemas, pois a paz não pode ser dividida em duas: problema e solução. Tampouco estamos a dizer se tais coisas são boas ou ruins. Seria a mesma armadilha dos opostos em forma de julgamento. Apenas atestamos um fato: a verdade não precisa de opostos.  

Assim, a preocupação não deve ser levada tão a sério, pois algo pode ser feito em sonhos. Algo sempre pode ser feito. Se você estiver diante de uma tragédia, mova-se adiante, e tente buscar a reparação. Com a ajuda do Espírito Santo, essa sempre será sua postura diante das adversidades da vida, pois o Espírito Santo olha para o sonho, mas não acredita nele. Ele crê apenas no amor, e busca trazer para você um sonho de amor, onde as coisas belas e agradáveis podem habitar em paz contigo, diante de simples declarações como as do início deste parágrafo. Simples ações e simples decisões desfazem toda e qualquer preocupação. A escolha em favor da mente certa segue sempre nesta direção: você é responsável pelo que vê, portanto, é o único vetor da mudança. Assuma a responsabilidade e caminhe para diante.

O Espírito Santo quer favorecer a escolha ao tomador de decisão em favor da mente certa e de suas evidências também diretas. Toda e qualquer situação apresentada no sonho pode ser avaliada segundo estes dois parâmetros: mente certa e mente errada. Teu Verdadeiro Amigo quer que você esteja nos braços da paz, diante de uma clareza de pensamento que julga em favor da verdade. Você não só pode escolher pelo sistema de pensamento da mente certa como tem Ajuda para isso. Não é uma grande benção?

Já o ego gosta de encontrar imagens de ataque para todo o lado, fantasiando diante de cenas complemente inocentes algures formas nas quais possa interpretar — e assim projetar — o medo. O medo não está lá. Ninguém precisa ser temerário para se encontrar diante de uma tempestade verdadeira e dormir, como fez Jesus no episódio bíblico, mas pode com a ajuda do Espírito Santo chegar mesmo a dormir diante de uma contrariedade qualquer, ainda mais se tal contrariedade se passa apenas na imaginação fértil de uma fantasia febril mal dirigida.

Superar dificuldades e assumi-las é uma forma óbvia de partir para a frente, com a coragem do navegador que não interfere na meteorologia, mas sabe muito bem manejar o barco. No episódio bíblico, Jesus interferiu inclusive na meteorologia. Entregue-se ao Espirito Santo de forma total e você nunca terá preocupações. Os milagres significam preocupação zero diante da assunção total da responsabilidade por este mundo. Aquele que age de modo irresponsável não presencia milagres.

 “A única responsabilidade do trabalhador em milagres é aceitar a Expiação para si mesmo”. Ajustamentos não vão resolver nenhum problema. Coragem significar “agir com”. Agir com o auxílio do Espírito Santo é o mesmo que não ver nenhum problema, pois se para todo problema existe uma solução, o par “problema-solução” é visto pelo Espírito Santo como uma única coisa, não separada, enquanto o ego busca separar o mais possível estas duas pontas do mesmo caso. A partir de então, busca ajustar o problema às suas soluções insanas, como no caso da projeção e do ataque, já discutidos anteriormente. Como é fácil caminhar com o Espírito Santo, que te diz apenas isto: “eu não tenho medo de coisa alguma!”, e então te convida para segui-Lo. Aceita o convite, meu irmão. Basta tomar a decisão correta, que começa com esse primeiro passo: sou responsável por tudo o que vejo. Daí em diante, tudo se resolve por si mesmo.

Pai, viemos te pedir pela tua Resolução Final em favor de Teu Filho. Ele quer se lembrar de Ti, meu Pai, ao que Te pedimos a redenção de seus pensamentos insanos através da experiência que apenas Tu podes lhe dar. Viemos pedir-Te a experiência da alegria que o Teu reino provê ao Teu Filho Santo. Ele é Teu Filho, e aguarda por Tua intervenção amorosa. Amém.

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domingo, 8 de julho de 2018

Sobre o tempo



O tempo é uma referência que mantêm a continuidade e a ilusão de movimento. Se uma pessoa encontra-se “parada”, ele se move através do tempo. Isso é facilmente perc eptível, pois ainda que tal pessoa permanecesse “parada” pelo resto de sua vida, seu corpo se moveria através das idades. Assim, o tempo é a “contagem” do transitar das formas através do espaço. Seu estado contínuo de mutação somente pode ser percebido no espaço. O espaço, por sua vez, é um símbolo do tempo nas formas, pois ao tempo não se pode ver. Contudo, um espaço qualquer é preenchido pelo tempo que se leva para percorrê-lo, seja através do olhar, no átimo da expansão e retorno da luz; seja fisicamente, através dos deslocamentos.

                O tempo não adquire para si nenhuma característica atomística, ou material. No entanto, seu maior pressuposto é a orientação. Podemos dizer que a orientação é o propósito do tempo neste mundo separado. O tempo orienta o homem em sua ilusão de formas no espaço. Assim, um carro que passa em uma estrada não está passando em absoluto, pois o carro mesmo não pode mover-se no tempo, pois o tempo não é uma característica física. Por outra: o carro, ao percorrer os espaços, está traindo seu caráter imutável, e está adquirindo mutações de efeitos, que são totalmente apreendidos pelo seu devir. Neste sentido o Vitor estava certo em dizer que o devir apreende a noção de agora, mas apenas em sua característ ica puramente física, isto é, separada. O “agora”, enquanto uma probabilidade, não pode ser levado em consideração em absoluto, pois os argumentos de Epicuro reduzem a zero a probabilidade da existência do agora. No entanto, o agora pode ser pensado como uma hipótese, e, assim, mais uma vez o Vitor acertou ao verter o assunto à característica, ou seja, à entrega.

                  Mas o que o Vitor quis dizer foi isto: o espaço enquanto matéria se faz por sua transição em formas. Assim, as formas possuem em si o devir de suas mudanças de posição. Mas este “devir” é uma suposição ainda, na qual se atarefa uma experiência que demonstra a mutabilidade de tudo. A esta experiência nomeamos “agora”, pois ela seria o limite do tempo no espaço, e o limite do tempo no espaço é o “tempo zero”, o “instante este”, a absoluta supressão do devir, que é a presença.

                Parece complexo, pois falamos de uma experiência que ainda percebes apenas potencialmente. No entanto, partiremos de um exemplo para auxiliar a compreensão. Digamos que uma bola está a rolar sobre uma mesa de sinuca. Se tirássemos uma fotografia desta bola em movimento, poderíamos dizer que “capturamos” seu antigo devir. Se pudéssemos tirar todas as fotos possíveis do deslocamento desta bola, teríamos sua trajetória “capturada”, e cada foto seria uma fatia de tempo ocupando um lugar na trajetória. Para uma determinada fotografia destas, poderíamos chamar sua imagem de devir, ou de agora, mas nunca de presença. A presença é o aspecto vivo do agora. O agora é uma ideia. O devir, uma intuição. Mas a presença é luz, pois a presença relaciona-se d iretamente com a entrega.

                 Assim, a única maneira de se falar do tempo, em suas formas separadas, sob o ponto de vista da cura, é através do agora ou do devir. Mas a única maneira de se perceber a experiência do tempo como uma ilusão se dá através da entrega.

                Entrega a quê? Poderias perguntar. Entrega total ao que esta acontecendo. O perdão é ausência de julgamento da transição das formas. Não se sabe para onde as formas vão no decorrer do tempo. O tempo é uma estrada invisível onde coisas paradas mudam de lugar. Isso é o mais próximo neste mundo separado daquilo que chamamos Todo. O Todo é uma unidade em aspecto inefável. Quando dizemos que o Todo é simbolizado pelo tempo, queremos dizer que em si o tempo comporta todas as mudanças que ocorrem neste mundo separado. No entanto, como ele mesmo é uma característica da separação, a sua qualidade não é total, não é estável, e o próprio tempo é relativo. Assim, podemos dizer que a noção de agora e de devir são relativas. São “pontos de vista”, p or assim dizer. Mas a entrega é o símbolo da compreensão disto. E com ela vem o conhecimento daquilo que é impossível dizer aqui. 

Um mundo sem significado gera medo.




Ver o mundo significa encontrar uma alternativa para a verdade. Por “ver” queremos dizer “perceber”. Assim, perceber o mundo através de quaisquer dos sentidos — ou mesmo através de intuições — significa trocar a verdade por aquilo que chamamos no UCEM de “separação”.
Ora, mas tudo o que sentimos atesta que a separação é real, pois tudo o que percebemos é atestado pela própria percepção.  A realidade da assim chamada “vida” atesta que o organismo detentor da vida é o próprio ser, separado das coisas que vê, a mercê de um universo exterior, que se apropria de seu destino enquanto estiver por aqui.

O tal “universo exterior” possui significado, dado pelo indivíduo à medida em que cresce e se habitua às imagens no formato “mundo”, e os nomes das coisas passam a relativizar suas formas separadas, sendo tais os nomes próprios ou abstratos, as coisas tangíveis e intangíveis. Dentre as coisas intangíveis, Deus.

O uso da razão (intelecção) é o ato classificador de experiências. Tais experiências podem ter origem através dos sentidos ou através da pura especulação (razão), sendo tal razão utilizada em favor de algo compreensível pela mente humana. A metafísica, por sua vez, trata de atribuir a um contexto “suprasensorial” a capacidade de a mente humana atingir contato com o atributo Deus. No entanto, as capacidades limitantes da mente humana em se ater apenas aos sentidos e à razão faz com que os seus epítomes fenomenológicos não atinjam mais que a mera especulação, quando dialogada com uma metafísica que surge como um “oposto” à física (matéria).

Mas o Livro Texto diz que “Deus não tem oposto”. Existe, portanto, algo totalmente diferente da física (matéria) e da metafísica: chamaremos isso de “estado”, caracterizando limitadamente com essa palavra um atributo sem oposto.

O estado de Graça é uma expressão amplamente utilizada para representar uma imersão de alguém em um momento indefinível, de total beatitude, onde tudo parece estar certo, ou nada está fora do lugar, e o mundo é visto como abençoado. Tal estado, no qual os opostos são abolidos, não está certo no sentido moral, pois uma pessoa em estado de Graça pode estar assistindo ao despejo catastrófico de quaisquer noticiários de seu país. Mas o pressuposto mental de quem está imerso em um estado de Graça é semelhante a uma revelação, diante da qual o caráter altamente valorizado como catastrófico pelo eventual telejornal — que somente pode ser percebido diante de um outro estado melhor, desejado, não catastrófico —, não faz qualquer sentido para ele, pois em tal estado não há desejos. Tudo está certo como é. A ilusão não pode ser compreendida como algo que possa ser “consertado”.
Paulos dos evangelhos dizia da “paz de Deus, que excede todo o entendimento”. Não poderia haver melhor definição. O estado de Graça não pode ser compreendido, nem sentido, nem mesmo percebido; no entanto, trata-se de uma experiência.

Esta experiência não pode ser buscada, pois ela é obscurecida pelo ato “desejo”. Se você desejar por ela, a perderá. Isto também é dito de forma muito interessante nos ensinamentos do budismo.  O desejo (inclusive o desejo de um mundo melhor) impede a oportunidade de um estado pleno, sem opostos, pois desejar é querer “de outro jeito”.

A entrega necessária a tal estado de Graça prioriza um total desprendimento, mas não se trata de um desprendimento das coisas materiais, pois um homem pobre pode muito bem ser cheio de desejos em seu coração, enquanto um outro homem remediado, ou mesmo rico, pode não ter nenhuma destas ambições. Abrir mão da forma não significa abrir mão de seus símbolos. Devido justamente a isso, existem representação de deuses da abundância em quase todas as religiões. E quando se fala da vertente cristã da prosperidade, a tratativa esperada deveria ser essa.

Enquanto a busca empreendida neste mundo for por conta de opostos, nada podemos esperar diante da revelação. Os sentidos apoiam os opostos, bem como a razão também opera através de raciocínios fundamentados em efeitos e causas, diante de diversas aplicações possíveis. Mas mentalizar a salvação é tão inútil quanto tentar explicar a uma formiga calculo diferencial e integral. Na verdade, a comparação nem é tão boa assim. Melhor dizer que tentar explicar a beatitude do estado salvífico é o mesmo que nadar por fora d’água.

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Uma última consideração: em seu livro Memórias, Sonhos e Reflexões, o psicólogo suíço Carl Gustav Jung autorizou publicar um escrito seu, chamado Septem Sermones ad Mortuos (Sete Sermões aos Mortos). Nesta obra, Jung explica que há deus e há o diabo, mas além destes dois, existe ABRAXAS, que é ainda mais indeterminado que ambos, e que não tem opostos. Eu entendo ABRAXAS como uma figuração bastante apropriada para o estado sem opostos. Adiante da porta que permite tal Estado, encontramos o que chamamos na tradição cristã de Deus, mas que palavra nenhuma dá conta do Significado.

Os nomes que damos as coisas são tentativas de organizar o mundo perante a separação, que divide o dia e a noite na forma de complementos separados. Isso se dá com todos os outros pares imagináveis. Os nomes dados às coisas são tentativas de recuperar um estado definitivo, mas todo nome pode ter um antônimo arranjável. O mundo é classificado em ideias, e nada mais que ideias são os pressupostos que dão nomes aos bois. Quando tudo é classificado e nomeado, nada mais sobra para ser visto sob a ótica da revelação. Ter significado sobre as coisas foi o ato desesperado que o homem tomou para atingir algum saber. No entanto, seu saber o separou o Ser em fatias, chamadas corpos, e cada um está em busca daquilo que depreende entender diante de suas razões, apreendidos em corpos. Este é o “erro” fundamental, ou o “equívoco” primeiro: o desejo adâmico de dominar o mundo.  

Todos tem que passar por essa fase. A forma que pode dirimir tal desejo está presente na associação entre a mente certa e a ausência de desejos. Para isso, um exercício que visa mudar a perspectiva de pensador para mero expectador traduz-se na expressão: um mundo sem significado gera medo. Com isso, podemos entender que a gana, o grande desejo de dar significado a todas as coisas, surge de um investimento total na separação. No entanto, o mundo não tem significado, e Deus não criou um mundo sem significado. Assim, a revelação trará uma real revelação do mundo, um beatífico estado, sem oposto e, portanto, sem dúvidas.

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quarta-feira, 20 de junho de 2018

Sobre a raiva





A raiva é um atraso na comunicação. Ela propicia um senso de justiça baseada na separação e na teimosia em se sentir sempre correto quanto ao seu próprio propósito, ou seja, a raiva é certeza desviada de propósito verdadeiro. Sempre que estás com raiva, estás defendendo uma ideia que não é verdadeira.

A primeira das ideias defendidas pela raiva é a sujeição. Na medida em que não consegues destacar a ti mesmo da raiva que sentes, como se fosses um com ela, torna-tes sujeito à raiva que sentes, como se fosses um “escravo” de teu modo de sentir. No entanto, já vimos que todos os processos da separação são efeitos, e não causas. Portanto, tu mesmo produziste o efeito “raiva” e agora parece que ela é quem te domina. Existe um engodo neste processo que seria bom que escrutinássemos.

Observa que a raiva traduz uma certa visão de mundo, um ponto de vista, no qual estás “certo”. Ela garante que, diante de uma imutabilidade teimosa, você poderá “ganhar” alguma coisa. O que tal coisa seja, nunca se sabe exatamente, ou pode ser qualquer coisa. Qualquer pessoa que já teve a oportunidade de discutir com uma pessoa irascível sabe muito bem dos caprichos dos propósitos defendidos pelo argumento raivoso, que nunca parecem realmente estar em busca de satisfação. E se pensarmos que a raiva é um instinto primário, muito parecido com uma pulsão irracional, veremos que não existe nenhuma contraposição racional capaz de justificar um fim para a raiva de modo completo, pois a raiva é uma forma de medo e não se pode discutir racionalmente com o medo.

O Livro Texto diz que a relação entre raiva e ataque é óbvia, mas a relação entre raiva e medo não é tão direta. Na raiva, o aspecto voluntarioso em se ter “razão” está em sua máxima aplicação, e o medo de se estar “errado” produz o efeito desejado “raiva”, que argumenta em favor da insanidade de uma razão sem apoio real.

A raiva é sempre um refúgio. Uma tentativa de estabelecer a segurança em favor de um pensamento valorizado como certo e incontestável. Todos já experimentaram a irracionalidade em se discutir com alguém tomado pela raiva. Para o raivoso, portanto, a única alternativa parece ser esperar o tempo passar, ou rezar, pedir ajuda a Deus, meditar, se contrapor a si mesmo, através de autoargumentações muitas vezes inócuas, propiciando no mais das vezes culpa. Como o sujeito não suporta a culpa gerada por algo do qual a raiva diz que “se tinha razão”, a alternativa para tal processo insano é ficar com medo de tudo, posto que, se a raiva é a crença no ataque, obviamente o ataque virá de algum lugar, como represália, de tal maneira que este processo advoga que a única maneira então de conseguir se defender é produzir mais raiva, e manter-se em tal estado de prontidão em relação ao que vem de fora.

Tudo isso é visto como muito engraçado para quem observa o processo, ou mesmo para o próprio raivoso, quando em intervalo são. Geralmente, constitui a base para o famoso “um dia a gente ainda vai rir disso”, posto que se baseia naquela ideia da qual “o filho de Deus esqueceu de rir”.

Embora não pareça assim tão fácil para o separado — uma vez que esteja tomado pelo equívoco “raiva” — ver a si mesmo como advogando por um estado ridículo, muitas vezes tomando partido por situações tolas, quando não degradantes, há uma alternativa para o processo que é infalível. Parece loucura de início, mas acompanhe até o final e veremos como o ridículo pode se tornar consciente (já que a raiva é um sentimento primário, como dissemos; quase um instinto, decalcado de alguma arremedo de razão).

Quando você sentir raiva de alguém ou de alguma coisa, procure, se for possível, reservar um tempo para fazer o que vamos sugerir agora: preferencialmente de modo silencioso, coloque toda a culpa daquilo que aparentemente está lhe causando raiva em Deus, no Espírito Santo ou em qualquer outra entidade que você julgue sagrada. Permaneça livre nas formas que tal expressão venha a se dar, não tenha nenhuma restrição quanto a isso. Você pode, por exemplo, xingar a Deus ou ao Espírito Santo neste processo (pode ficar tranquilo, Ele está consciente disso). Coloque a culpa de tudo que estiver lhe fornecendo argumento para raiva em Deus ou em Seus Representantes Reais, preferencialmente naqueles que para ti ainda pareçam abstratos (como o Espírito Santo, Cristo, Buda etc). Assim, estaremos retornando toda raiva ao seu ao motivo original: o medo de Deus, o medo da alegria e o medo da felicidade em não se precisar de qualquer razão para ser feliz. Com esse processo, se feito com bastante honestidade, poderemos perceber o quanto de nossa raiva surge a partir da Grande Projeção, Na Qual lançamos aos personagens “fora de nós” a nossa grande raiva primeira: o medo da retaliação de Deus, uma vez que deixamos Sua Casa (vide neste processo a similaridade com a parábola do Filho Pródigo, que tinha muito medo de seu pai).

Pois bem, para acelerar o processo em se perceber a raiva como inócua e totalmente insana, apelamos neste processo para uma conscientização do primeiro processo de projeção, que foi atribuído à Deus, no momento da separação, já que o medo de Deus é também o medo do Amor, que obviamente não é compatível com a raiva. Assim, ao retornar honestamente sua raiva à Origem que parece fazer sentido, podemos nos tornar conscientes da insanidade de todo o processo da raiva em sua origem, e torná-lo sem qualquer efeito, uma vez que você pode tentar atacar Deus o quanto quiser, pois Ele não compreende o ataque. Assim, a ferramenta que visa contextualizar o medo da punição em todas as formas, torna-se totalmente conscientizada diante do fenômeno perdão, e poderemos perceber o medo da Grande Retaliação por parte do sagrado como um erro de percepção, e a raiva se vai.

Caso tal processo lhe pareça muito radical — visto a compreensão dada pelos homens a Deus neste momento da história —, é possível também pedir a Deus que lhe ajude a desfazer a raiva através da oração. Este é um segundo processo, caso não lhe convenha o primeiro. A busca da amenização ou sublevação da raiva através da oração verdadeira é sentida quase que imediatamente, e tende a aumentar mais e mais, até que a raiva se torne algo totalmente sem sentido, geralmente acompanhada de uma mediação pacífica, como uma benção totalmente aplicada ao sagrado através de nossa verdadeira forma de ser.

Pois bem, falamos aqui de dois processos: o primeiro deles visa conscientizar — de uma forma que pode ser vista como radical e que deve ser realizada com muitas reservas nas primeiras tentativas, em caso de insucesso — o primeiro processo visa conscientizar o sujeito da experiência que toda a raiva é, em sua fonte, medo da retaliação de Deus, uma forma insana de proteção que, em última instância, é projetada na vingança Dele, ou seja, na defesa contra Ele. A causa disso é a culpa original, causada pela separação. Com isso, poderemos perceber também que a imagem “Deus castiga” é um erro na percepção. O segundo processo, baseado na oração (meditação, ho’oponopono, recitação de mantras etc), visa trazer a tua consciência para mais perto de Sua Origem , evitando o imenso desgaste de energia que a raiva desprende, na medida em que a constituição original da raiva é falsa, não criativa, e precisa de todo o teu empenho para fazer com que o estado raivoso aconteça. A raiva não é criada, é feita; precisa consumir uma grande parte de tua energia para acontecer. E a ressaca da raiva toma a forma de culpa. No entanto, nada disso faz parte do teu escopo, e, portanto, não é coisa tua, e podes ainda utilizar este argumento moral como um terceiro modo de se livrar deste apenas incômodo.

Pai, pedimos aqui que nos ajude a perceber a raiva como insanidade, diante de Tua Presença amorosa em todas as coisas. Nos ajude a perceber nossa verdadeira Visão diante de nossos olhos e de nossa percepção amorosa do mundo, ao que podemos ver em todas as coisas a Tua Presença generosa, dando-nos consistência em nossa caminhada, auxiliando-nos a perceber que não existe culpa em nós e nem crueldade em Ti. Assim, Pai, pedimos serenidade neste dia e sempre, Amém.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Em estado de Graça




Após um evento no qual mergulhaste na luz e durante alguns dias estiveste em estado de graça e depois pensou que se foi — como assim se foi? Se a graça é eterna, como pode ter-se ido? A não ser que a escolha em deixar ir não fosse tua. Mas sabemos que estavas querendo demais voltar, para assim aderir novamente teus vícios.

Tição queima; quando vê, corrobora o mundo. E o mundo volta de com força, para pegar de volta o que era teu: um sistema de pensamento distorcido, em busca de fazer valer o irreal, custe o que custar.
Como proceder diante da aparente invencibilidade do irreal? É certo que alguma coisa se diz quando se pede para voltar, quando se sabe que há um lugar muito melhor. Se nada irreal existe, e nada real pode ser ameaçado, qual é o princípio da entrega, senão abrir mão das ilusões?

Ah! Mas eis que então surge o verdadeiro motivo: o vício em mundo. O mundo é vício. E não dizemos aqui o mundano em adjetivo de perfídias que atraem; dizemos o mundo mesmo, com suas imagens e mágicas, truques de convencer. De repente, tudo é muito verdadeiro, e a atenção volta-se para fora com o sentido de agarrar o princípio do mundo, que é sobreviver. A sobrevivência, diante de estratégias em pensamento.

Assim, o mundo se torna o projeto em pensá-lo. Adiar a guarda de um estado interior parece ser justo, diante da impossibilidade em se querer demais de tanta coisa que está aí, disponível. Melhor então divagar pelos pensamentos, tarântulas de discernimento, teias gigantes nas quais o pensamento tece enquanto pesa, mede, quantifica, e prende, ao que dita as regras entre dois e dois.

Dois é o nascimento do oposto. Entre o um e o dois, nada existe. O três atrai a atenção ao tempo, quando dirá
1. Começo
2. Meio e
3. Fim
certamente, o quatro divulga o retorno de algo, uma quadrimensão voltada para as ferramentas de ensino que não estão divulgadas nem em opostos, nem em narrativas do tempo. Quatro é o recurso que te revela o retorno. Olhas para ali (1), no tempo (2) pensas uma coisa e outra (3) e apenas se abrires mão destes três passos tristes, verás o (4).

Lembra que está dentro de ti. Que não existe para fora de ti. Que a projeção faz a percepção. Lembrar o que te faz feliz, independente de fatos, é (4).

No final das contas, o pensamento quer dominar a vida, ao dizer o que cada coisa é. Kant já previu que a coisa em si não é possível. Tudo é uma projeção. Então dizer que o mundo é um mundo de ideias é o mesmo que trazer para nossa vivência um conceito sobre as próprias ideias, mas adicionando o fundamento da noção de ideia como base para tudo que conhecemos.

O dia-a-dia favorece diversas ideias diferentes, traduzindo assim o mundo exterior como uma recorrência, isto é, algo que precisa ser analisado para ser entendido. Mas tu criastes o mundo como vês, não precisas de nenhuma ideia para entendê-lo, e sim de uma ideia totalmente nova que o refaça (4).

Estar em si mesmo significa entender que o processo de desfazer é uma entrega voluntária ao Espírito Santo, mediante uma total disponibilidade em deixar que Ele atue. Não existe nenhum tipo de conhecimento que possa ser adquirido e desenvolvido senão por intermédio Dele, que sabe ao que cabe tua experiência. Uma vontade mal dirigida pode ser humilhante, mas nenhum tipo de determinação em contrário à Dele prevalecerá.

Reza. “Enquanto houver percepção há lugar para oração”. Rezar com petição em salvar-se, apenas, sem pedir por coisas específicas, pois tudo te será dado se isto for realizado. Esta é a única realização necessária.

Pai, pedimos a lembrança do Reino e da alegria em compartilhar o Reino conscientemente. Queremos fazer de Tua paz a realidade de vida. Pedimos que lembre de nossa vontade que é a Tua, para que possamos lembrar da alegria em estar permanentemente em Tua Companhia feliz, amém.

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domingo, 22 de abril de 2018

Sobre a rendição





A vida não pode ser vivida como uma teoria. A entrega ao princípio organizador da vida pode ser compreendida como um advento da noção espiritual dentro de um sistema completamente integrado ao consciente, sem mistérios envolvidos. A noção misteriosa de uma revelação oculta e difícil está na origem da complicação de muitas associações equivocadas.

Estar imerso em sua própria vida não significa perder os vínculos irreais que te deste. O Curso diz que não quer acabar com teus relacionamentos especiais, apenas santificá-los. Saber de si mesmo como uma emancipação arquetípica, ou seja, saber que o Espírito Santo está no comando e que uma entrega total ao seu dispositivo de vida está em realização não quer dizer que é preciso compreender este processo de modo cognitivo. Aliás, isto é impossível.

A natureza das imagens é um comunicado diferente, mas ainda está atrelado ao princípio reinante das ideias (tudo é uma ideia). A única saída é treinar a tua mente em favor das ideias certas. Também é preciso crer nas ideias certas que te destes. Tens o Curso em Milagres e Seus exercícios a teu favor, para direcionar teu pensamento em uma direção ordenada. Não poderia ser diferente, caso estivéssemos querendo outra coisa, pois a direção da salvação é inequívoca e tal coisa seria em breve desmascarada como falsa, ou equívoco.

A direção do acerto de determinado equívoco não é a punição, mas a correção. A punição sugere a culpa, de tal forma que mesmo após passado o efeito da punição, a culpa pode permanecer sub-repticiamente, deixando o sujeito da experiência a crer que o melhor corretivo para si diante de erros é ser punido, pois a culpa passa a ser para ele um modo de se ver no mundo, de tal forma que sua crença em punição trará para si a tônica das relações. Tal estado de coisas somente pode fazer o sujeito viver morrendo de medo de tudo.

Isto é insanidade. Ao Filho de Deus somente o amor pode suprir, e é apenas isso que ele merece. Amor derivado de nenhuma causa, amor puro, sem objeto, sem precisão de qualquer forma que seja para se manifestar; de tal maneira abrangente que toda forma pode ser por ele amada. Se alguém está em grave erro, a correção vem no sentido de um resgate, que pode ter consigo noções difíceis de ser totalmente gentis neste momento da história, mas no afeto se garante o retorno de um Jedi. “Até o mais desandado / dá um tempo na função / quando percebe que é amado” (Criolo).

Quantos são aqueles que precisam lembrar-se do amor? Quantos estão à espera de algo no mundo que possa finalmente lhes trazer a felicidade? Quantos conseguiram? As respostas para estas três perguntas deveriam ser suficientes para se saber que o amor não é uma conquista da forma. Não há esperança de que algo externo possa lhe trazer felicidade duradoura. Mesmo um estado interior pode ser interpretado como uma ferramenta projetada como uma conquista. Noções abstratas como a paz de espírito, iluminação, salvação ou beatitude ganham corpo como objetivos materiais, algo palpável que possa ser considerado pelo ego como bom ou “a felicidade” que algum dia, mediante algum investimento futuro, chegará.

Não chegará. Já está aqui. A rendição total é a única saída. Rendição total, sem reservas. Toda doença é curada, todo o mal é visto como irreal e toda vida será honrada como é. Isso não pode ser realizado em um estado de profundo medo. Medo evoca culpa, e culpa pede punição. Naturalmente, tal estado de coisas sugere o inferno para quem os vive. Mas lembremos da lição 39 do Livro de Exercícios, que pergunta: “se a culpa é o inferno, qual é o seu oposto?”. Há uma relutância em se responder a essa questão simples: “se a culpa é o inferno, qual é o seu oposto?” Tal relutância não se dá por conta de sua dificuldade intelectual — já que o título do exercício é “a minha santidade é a minha salvação” —, mas por conta de tua crença, pois no mundo louco e separado, quase ninguém consegue acreditar que a culpa é o inferno. A culpa parece ser o estado natural. Neste caso, seria muito difícil responder àquela questão, pois a culpa é o maior recurso de manutenção deste mundo, e para os que acreditam neste mundo, a culpa é o normal; e o perdão, diante de tal conclusão insana, seria o inferno. A relutância em uma resposta direta surge de nossa indisponibilidade em perceber a culpa como o inferno, pois a culpa é supervalorizada como a versão da justiça diante dos arrependimentos.

A saída é se render. Se render e se calar. Não sair aos quatro ventos a dizer disto e daquilo, quem o erro e qual acerto, como o juiz das causas perdidas. O mundo é uma causa perdida, que pode ser vivido calmamente, para quem pretende se mostrar completamente, sem temores, no instante presente, totalmente responsável pelo mundo que vê. Assumir a responsabilidade por este mundo se trata apenas disto. Se depois você quiser mudar o mundo, tudo bem. A ilusão toma muitas formas e certamente existem formas que favorecem o caminhar do irmão perdido. No entanto, quem pode julgar a perdição de um ou de outro?

Julgar é condenar. Se tal estado de coisas te parece impossível de ser germinado, na medida em que será necessário divulgar estas palavras agora no facebook, então o que queres é uma resposta diante de uma miséria de atividades completamente devotadas ao prazer sensual de receberes likes. Como é tolo o jogo egótico! Como faz rir.

De toda forma, apoia este instante. Apoia-o completamente. Não o futuro da sociedade ou os erros e acertos do mundo. Mas este instante, sem grandiosidades ilusórias. Aceita-o completamente. Sinta-se responsável por este mundo a partir desta sensação. Respira. Não queira nada. Não tens nada a perder ou ganhar. O mundo é uma vasta ilusão. Sorria para esta certeza e lembre-se de que nada real pode ser ameaçado.


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domingo, 25 de março de 2018

Sobre a Expiação como defesa



A Expiação é uma defesa na medida em que pode integrar. Parece um contrassenso dizer que algo defensivo possa capacitar a integração do quer que seja, mas a Expiação integra justamente porque desfaz. A Expiação desfaz um a um os equívocos colecionados pelo ego, como se fossem várias camadas de uma cebola, até alcançar o bulbo, onde, no templo chamado corpo, estaria o altar. O desfazer das camadas permite a comunicação com o altar, e assim defende a comunicação própria. 

Pergunta: de qualquer maneira, o altar não pode ser destruído. Então, como assim defendê-lo? Porque algo que não pode ser ameaçado precisaria de uma defesa como a Expiação?
A Expiação é uma defesa que atrai o altar mais para perto da consciência, e apenas por conta disto possui tal designação. Não se pode chamar de defesa algo que revela, mas no caso da Expiação, podemos enxergar que a verdade se torna patente diante de nossa experiência. Assim, a cada vez que a defesa exercida pela Expiação atua, ela desfaz um conceito equivocado, e revela mais e mais aquilo que é verdadeiro. No entanto, é uma defesa, pois atua como segurança. A Expiação defende tua capacidade em lembrar. E como a lembrança é uma atividade relativamente passiva, a Expiação é uma defesa que não pode atacar.
 As defesas do mundo atacam ou contra-atacam. Existe até um famoso ditado sobre isso: a melhor defesa é o ataque. Mas, como diz o Livro, isso não precisa ser assim.

Pergunta: você poderia dar um exemplo deste tipo de defesa que chama de Expiação?
Certamente. Quando alguém lembra a você acerca de uma característica da verdade, através de um milagre de comunicação ou meramente desmontando sua argumentação através de qualquer coisa que mostre a impossibilidade da atuação em “sabido”, tudo é trazido para uma atmosfera de revelação. Por outra: a Expiação pode ser uma digna promessa feita a alguém e posteriormente quebrada, pois não estava de acordo com a vida de quem a fez. No entanto, nesta medida, somente o que pode garantir a certeza da defesa correta é o complexo de certeza, que se manifesta diante de um ato tido como revelador. São aqueles momentos em que a única atitude possível seja calar, diante de um fato óbvio e esclarecedor. No entanto, o significado do fato em si não deve ser interpretado, pois o ego adora desenvolver “teorias”.

Pergunta: e estas teorias todas?
Nada que está aqui representado difere d’Aquilo que está no Livro.
“Representar a vida” é o mesmo que estar em acordo contínuo com uma entidade separada e desesperada por autonomia. O teatro do mundo, para tal entidade, advoga todos os pressupostos da separação: medo e seus derivados. A única maneira de se reintegrar é a Expiação. Expiar é revelar a si mesmo à consciência. O medo sempre aparece no início deste processo como um sucedâneo para o que parecia ser o conforto em estar separado: as ideias próprias, a razão sobre o mundo, as opiniões e certezas etc. O medo sempre esteve por trás destas coisas. A Expiação “revela” o medo, na mesma medida em que revela mais e mais as camadas de interpretação egoica que sustentam tal medo. Por isso é dito no livro que “expiar é desfazer”.

Pergunta: como você interpreta a sequência que diz: a expiação é o princípio, o milagre é o meio e a cura é o resultado?
A cura é o final do processo. Quando a Expiação está completa, o Filho de Deus é são. Expiar é desfazer. O milagre te capacita a perceber que a separação é irreal. A cada vez que for preciso te fazer ver que a separação é irreal, um milagre te será dado. A cura será o resultado. Mas o princípio da Expiação vem da tua vontade em ter de volta para si a responsabilidade sobre este mundo. Para isso, basta querer fazer parte da Expiação, quando todos os erros serão corrigidos por ti, com auxílio de milagres.

sábado, 17 de março de 2018

Sobre a Mente Única e os pensamentos privados



Quem poderia ocultar o que quer que seja diante de uma mente única? Somente através de sonhos tal coisa seria possível. O sonho de ter pensamentos privados pode ser entendido como uma decente insurreição dos princípios éticos que alguém avalia e condiciona. Assim, um valente ardente cavaleiro que admite ter para si princípios “melhores” que outro, definitivamente lutará para mantes os seus. Isso somente seria possível até o momento da guerra, quando a imposição de um modo de pensar visa sobrepujar o “inimigo”.

Uma mente única, tal qual um inconsútil infinito, não pode ser segmentada em pensamentos passíveis de serem “privados”. Toda tentativa de esconder algo demonstra o medo de “pecar”. Pecado, neste contexto, significa esconder o erro. Mas esconder de quem? Se a mente é única? Assim, o conceito de “esconder” ou de “ocultar” somente pode ocorrer caso haja alguém a quem se denomina o inimigo, do qual o segredo precisa ser defendido.

No mundo dos sonhos, o efeito de ocultar prevalece diante de um desejo em se inferir um propósito adequado a um proceder. Os sistemas morais, os contextos civilizatórios, as normas e códigos, todas estas coisas estão em via de divulgar o erro através do paradigma do acerto. Frente a frente com tais continentes de parâmetros, a necessidade de correção pode surgir como uma necessidade em se ocultar uma conduta alheia, até que seja vista como passível de punição, por conta da culpa em se estar à margem de uma tal justiça.

A única maneira de não se estar em vias deste tipo insano de raciocínio é lembrar que nada pode ser ocultado, mesmo se houver um grande esforço nesta direção. A mente única não pode ter partes “ocultas” ou “separadas”. Por isso no Livro Texto se diz: quando estiveres disposto a não esconder nada, estarás disposto à comunhão e saberás da paz e da alegria.

Não esconder nada é o mesmo que concordar com todas as coisas? Claro que não!  A verdade não tem preferências. Será que a única maneira de entrar em comunhão é fazendo mea-culpa sobre si mesmo? Somente se você for um tolo. Você sente culpa pelo medo de ser quem sempre foi? Então liberte-se diante de um lembrete: nada poderia desfazer quem você é, mesmo se você se acreditasse errado acerca de si mesmo. Somente o medo precisa de definições. A verdade está sempre em si mesma, sem necessidade de um parâmetro para atestá-la. E, acima de tudo, creiamos nisso: a verdade não pode ser ameaçada, pois nada real pode ser ameaçado.

A mente única possui os meios para deixar claro aquilo que te convém. Muitas insurreições contrárias podem surgir a partir daí, em favor de uma retomada de poder. Mas se já sabes o que queres diante daquilo que te é dito, porque precisarias te insurgir? Contra a mente única? Queres mudar a ideia da totalidade? Talvez te lembre que o Livro Texto disse que a separação surgiu quando uma ideia louca e diminuta brotou no reino e o filho de Deus esqueceu de rir. O que é falso não se torna verdadeiro pela insistência.

Entregar-se completamente à comunhão significa não ter medo de estar sendo julgado, pois a mente única não poderia condenar parte de si mesma. Portanto, sempre que falares com fé, estás a pedir comunhão, mas não poderás dominar nem se controlar. Para isso, não precisas de nenhum tipo de exemplo ou tabela de valores. Basta querer encontrar naquilo que se diz o comum com o teu irmão, mas sem agregar ao sistema de pensamentos de um e outro o conluio de palavras que passa por conversações no mundo. Conversar é o mesmo verso.

Assim, a mente única está sempre disposta à comunhão diante daquilo que se diz via o mesmo. Aprenderás a fazer isto quando “não te preocupares com o que dizer ou que fazer, pois Aquele Que Me enviou me dirigirá”(Pág 30).