terça-feira, 30 de julho de 2019

Os Companheiros Escuros

Bouguereau - "lição difícil", novamente.


Os companheiros escuros são os consoladores que estão em busca de equívocos como forma de associação. Buscam relacionamentos especiais ao invés das companhias graciosas de Deus, e não podem ver a luz do sol. 

Os companheiros escuros são vistos como são, e não são “as pessoas”. O teu irmão não pode ser um companheiro escuro. O que nele não é como tu, é parte de sua mente errada, e deve ser visto como é: um erro a ser corrigido, e não um mal a ser punido. Mas não serás acolhido no céu enquanto mantiveres em tua mente ideias que não pertencem ao ceu, pois no céu somente pode entrar aquilo que lhe é igual, o mesmo. Aquilo que não é como o céu, nem mesmo existe. 

Apenas a alegria faz parte dos encontros santos. O que pesa e desarma como função escura é erro, e pedido de ajuda. Tu não tens que te acreditar culpado se não podes ajudar um irmão à tua maneira. Ao Espírito Santo cabe a Expiação. Mas o pacote curativo deriva também de apoio que é recebido, no tempo, por qualquer um que tenha a crença de que é possível ver de forma diferente, pois a crença, como diz o Curso, produz a aceitação da existência; no caso, a crença em outra maneira de ver produz a aceitação da existência de uma alternativa. 

Peçamos outra maneira de ver aos nossos companheiros escuros, e rala pé de lá.

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segunda-feira, 10 de junho de 2019

Sobre ver o erro



"O plano do ego é fazer com que vejas, em primeiro lugar, o erro com clareza e depois não o vejas. Mas como é possível não veres aquilo que fizeste com que fosse real? Vendo-o com clareza, tu fizeste com que fosse real e não podes deixar de vê-lo. É aqui que o ego é forçado a apelar para "mistérios", insistindo que precisas aceitar o que não tem significado para salvar-te." (T-9. IV. 4: 2-6).

O que são os mistérios aos quais o ego apelaria por?

Uma condição nova, apropriada pelo ego como novidade, pode ser a velha forma de enxergar o mundo falsamente renovada. O ego dança com as imagens do mundo como se fosse um com elas, em separação ordenada, julgando tudo o que vê como se fosse dono e juiz. Sendo um com tudo o que vê, mas no formato “dono”, o ego apregoa que o medo de Deus faz todo sentido, pois ver a fonte da "Ameaça" é para ele o mesmo que a morte. Portanto — ainda segundo o ego —, é altamente recomendável ter sempre novas ideias sobre o mundo, com a finalidade de "renovar" a separação.

Já quanto a cura, a benção e o perdão, haverá uma série de mistérios dificultando seu entendimento, pois o ego fará com que penses que é tudo muito difícil de ser entendido, que não é para você, deve ser algo para pessoas especiais e inteligentes, diferentes de você, melhores que você e mais tolices deste tipo, que o ego consegue oferecer com muita habilidade de convencimento. Portanto, é preciso pensar muito bem antes de dar qualquer passo em favor da mente certa, segundo o ego. Seu pressuposto básico é este: cada dia deve julgar o dia anterior, e prosseguir temendo o futuro de acordo com os acontecimentos passados. Para o ego, este é o uso favorável do tempo.

Da mesma forma, para o sistema de pensamento que usa, o medo deve estar sempre dirigindo os atos mais corriqueiros do teu dia, sob a égide da perda. Vivendo em escassez perene, o ego adverte para a necessidade de preservação. Uma forma de fazer isso é dar ao seu fazedor um instinto de reação imediata, provocando um rápido afastamento de tudo aquilo que o Filho de Deus acreditaria correto e justo para se investir.

Assim, o medo surge neste contexto como um sucedâneo para o pensamento construído diante deste erro. Se o medo faz mistérios, diante de uma ocorrência anódina — pois para ele tudo será ameaçador —, o medo também estará propondo uma série de ameaças misteriosas, que divulgam para aquele que visa aplicar o perdão verdadeiro, ou seja, aquele que perdoa meramente vendo o visto, sem antes julgar para só então, depois, perdoar, pois aquele que busca apenas ver o visto, a esse é dito que o medo deve ser percebido como um sinal da interferência correta de teu irmão sobre tua vida. Ele é maravilhoso, sim; um Filho de Deus, sim; tem direito ao Amor? Claro que sim! Mas com reservas, nunca se sabe o que pode vir no futuro. Como podemos confiar em alguém que não etc.


Esse discurso é um velho conhecido. Todos de alguma maneira se engalfinharam nele. É misterioso simplesmente como é misterioso algo que não existe. É muito sedutor falar em termos ficcionais de um planeta ou de outra dimensão, porque para a mente isto tudo se torna muito misterioso. Um irmão pecador é, para o Espírito Santo, um grande mistério, pois isso é algo que Ele nunca viu. Isto está escrito sob a forma de piada, pois o pecado, e, consequentemente, um irmão pecador, não existem de forma alguma. O ego apela para o mistério da existência de pecados mortais, infernos desastrosos, medos inenarráveis, traições e outros termos que sabemos somente existir sob a égide do medo, e o medo é um estado que não existe.

A solução é perdoar o visto, vendo o visto, sem antes julgar para, então, perdoar. Este é o plano do ego, que busca entender o “mistério da vida”. Não há nenhum mistério. Simplesmente, o corpo não existe, esse mundo foi feito para tentar fazer verdadeiro um estado no qual a mente estaria separada em partes e que tudo estaria fora do teu alcance, não fosse as parcas percepções que o corpo provê. Tudo isso parece muito misterioso, assim como é complexo e misterioso tentar tornar uma mentira verdadeira. Tudo que o ego diz sobre o mundo e sobre teu irmão é uma ficção daquilo que ele é. E geralmente é uma ficção bem construída, pois o ego é muito competente em arguir e responder. Ele não teria capacidade para fazer como fazemos aqui, pois ele não defende estas ideias nem as consequências para as quais estas palavras dirigem, mas ele te diz exatamente o que pensar sobre o mundo, sobre teus irmãos, e onde deves investir teu comprometimento, pois há um mistério de punição e medo rondando todo o seu sistema errado de pensamento. Assim, para o ego, perdoar é primeiro ver o erro, e depois tentar não o ver mais. Segundo ele, isso será possível. Faz algum sentido para ti? Uma vez marcado, o teu irmão torna-se pecador. É possível tornar o pecado real e depois perdoá-lo?

Isso daria ao ego o poder de um Deus. Por isso o julgamento é tão importante para ele. É uma ferramenta imprescindível para o aprendizado ao qual o sistema de pensamento da mente errada te dirige.

Mais uma vez: perdoar é ver o visto, e só. Não há mistérios nas coisas de Deus, pois Deus é abundância e dádiva. Acredita nisto e verás novamente.

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terça-feira, 7 de maio de 2019

Sobre a crença em superioridade e inferioridade.



“O teu valor não é estabelecido pelo ensino ou pelo aprendizado. O teu valor é estabelecido por Deus. Enquanto contestares isso, tudo o que fizeres será amedrontador, particularmente qualquer situação que se preste à crença na superioridade e na inferioridade (T-4. I. 7:1-3)”.

Portanto, nosso valor não se depõe em aprender algo sobre nós mesmos, mas na forma em que dispendemos nossa fé. Deus nos ama e isso tem que ser crível no teu coração, de verdade. A disponibilidade para esta crença poderá nos ensinar mais do que qualquer coisa que se tenha “decorado” ou “aprendido”. Memorizar Um Curso em Milagres inteiro pode não oferecer sequer “um grão de amor”, enquanto um exercício feito com fé (portanto, sem decorá-lo), pode ser um provedor do desfazer que o milagre anuncia em nossa imagem mundo, geralmente condizente de maneira indiscutível com o conteúdo do exercício praticado. 

Qual nosso valor, então, diante de um milagre assim? Poderíamos começar pensando sobre nossa mania em querer entender as coisas. No livro “O Idiota” (um ótimo título!), Dostoievsky apresenta esta fala quando o personagem Gánia Ardaliónovitch tentar explicar ao General Ivan Fiódorovitch certa circunstância sobre uma foto que trazia, mediante uma série de especulações que supunha certas. O General tentava dizer-lhe que pensar sobre uma circunstância qualquer pode ser presunçoso. Esta parte não faz parte do enredo do livro, mas podemos entender que o General sabia — intuitivamente ao menos — que uma compreensão geral das coisas foge a nosso propósito, e cabe somente ao Espírito Santo, que sabe tudo sobre nós mesmos e tem ciência do Plano Geral, julgar. Quem pode ter a presunção de acreditar deter para si o futuro sem projetá-lo? O verdadeiro entendimento é dado.   

Mas para receber é preciso que se saiba aonde se quer chegar. A tentativa de Gánia Ardaliónovitch em entender certo acontecimento no enredo do livro, apenas por meio de inferências, mostra-nos que o personagem acreditava no poder da compreensão enviesada que temos diante daquilo que chamamos de livre arbítrio. 

O livre arbítrio permite que o tomador de decisão possa optar por seguir o sistema de pensamento da mente errada quando ele bem entender. Não precisamos sentirmo-nos culpados quanto a isso, simplesmente porque não sabemos distinguir bem entre progresso e retrocesso, como o Livro Texto indica. Se soubéssemos, nunca escolheríamos ser o vetor pelo qual o pensamento do ego engendra neste mundo a aparência de realidade que transparece muito palpável em coisas como a doença e a morte, por exemplo.  Mas até mesmo a famigerada morte não pode ser real, a não ser em um mundo no qual todas as coisas parecem estar separadas umas das outras, inclusive a vida da morte. Como diz muito bem o curso: isso não precisa ser assim. 

Mas para o tomador de decisões parece ser muito sedutora tal aparência de poder que lhe dá a volição, pois tal critério é capaz de fornecer a ilusão de pensar diferentemente de Deus. Sim, aqui nesta pedra, girando em torno de um espaço infinito, podemos escolher pensar diferentemente de Deus. Temos o livre arbítrio a nos dispor para isso. E se você acreditar que pode usar isso a seu favor acionando o modo bel-prazer, saiba que você pode se atrasar o quanto quiser. Mas não esqueça que, ao escolher assim, será preciso lembrar a si mesmo que nos atrasamos somente pelo uso excessivo do sistema de pensamento da mente errada (o Livro Texto afirma que o tempo serve apenas para aprendermos a distinguir bem).  Vou ajudar com uma imagem: tente pensar no domínio consciente que você teve de sua vida até aqui. Resulta em um extenso e constante corredor ou em um labirinto? 

Espero que esteja acompanhando. Para isso, é só não fazer como Gánia Ardaliónovitch, que tentava entender. Basta seguir. Estou seguramente te direcionando através do sistema de pensamento da mente certa, simplesmente porque escolhi assim, pois, ainda segundo o Livro Texto, “o poder de decisão é a única liberdade que te restou como prisioneiro desse mundo (T-12. VII. 9:1).” Nossa liberdade reside em nos livramos da indecisão e escolhermos bem. Mas nossa capacidade de escolha tem sido obnubilada pelo véu do desejo em controlar, entender, sem saber ainda distinguir. Esse era o plano, lembra? Pois é, aparentemente não deu muito certo... 

...aparentemente, pois a boa notícia é que não foi real. E agora podemos sair daqui. Certa vez Jesus disse a Helen Schucman (a escriba de Um Curso em Milagres) que a única coisa a se fazer em um deserto é fugir. Ter fé é simplesmente escolher subir na caravana. 

O meio mais rápido está disponível no teu irmão. Sinto muito te desapontar, mas está nele. Qual deles? Todos. Sinto muito te desapontar outra vez. Neste momento da história parece mesmo muito difícil acreditar em uma afirmação deste tipo, mas muito desta desconfiança surge devido ao que chamarei aqui de espelho ego, ou, segundo nosso currículo, nossa ênfase na projeção. Uma crença em corpos separados com identidades separadas tem necessariamente que hierarquizar o mundo inteiro, dentro de uma noção de divisão, na qual as partes não são iguais, a começar pelo corpo de cada um e dos pensamentos privados que cada um supõe possuir. A crença em nossos irmãos separados tem criado neste mundo todo o tipo de disposição que envolva superioridade ou inferioridade, como já foi dito, pois tais polos surgem diante do medo da Filiação, ou seja, do medo da amorosa unidade que encontramos abundantemente disponível em nossos irmãos santos. 
Ver diferente disso seria reduzir demais a teus irmãos e se colocar em um patamar de inferioridade e/ou superioridade. Não é preciso dizer o quanto isto é cansativo. O que chamo aqui de “espelho ego”, por falta de um nome melhor, é nosso irmão visto ao contrário do que ele realmente é. O espelho ego é a antítese do instante santo, e podemos dizer, repetindo este bordão que tanto gosto de usar (neste momento da história), que no século XXI boa parte dos encontros entre o que chamaremos aqui de seres humanos ocorrem sob o modo espelho ego. 

Nossa esperança pode ser reforçada mediante este lembrete constante no Livro Texto: isto não é assim. As imagens podem auxiliar bastante, e foi apenas devido a isso que viemos por aquele caminho. Pois bem, é isto que temos que nos esforçar em ver em nosso irmão: luz; em qualquer circunstância em que ele surgir, pois ele tem que ser tão santo quanto nós somos, caso queiramos mesmo escapar do deserto. Isso se faz através do perdão. 

Para que isso seja assim, temos que confiar em nosso irmão com total disponibilidade. Basta lembrarmo-nos disto: somos totalmente inocentes. Fomos enlouquecidos pela culpa e agora não queremos mais isso. Temos que nos aproximar de nossos irmãos em completa inocência e confiança, em total certeza, sem relutância alguma, pois “a inocência não é um atributo parcial. Não é real enquanto não é total. Os que são parcialmente inocentes estão aptos a ser bastante tolos, às vezes. Enquanto a sua inocência não se torna um ponto de vista de aplicação universal, não chega a ser sabedoria. A percepção inocente ou verdadeira significa que tu nunca percebes de forma errada e sempre vês verdadeiramente. Em termos mais simples, significa que nunca vês o que não existe e sempre vês o que existe (T-3. II. 2)”.

Nosso irmão só existe para nós se nos apresentarmos diante dele em completa inocência, em total disponibilidade. Isto parece muito difícil, mas o curso garante que somente este primeiro passo é por nossa conta (“para ter, dá tudo a todos”), e mesmo nisto teremos ajuda: 

“esse é um passo muito preliminar e o único que tens que dar por conta própria. Não é nem mesmo necessário que completes esse passo por ti mesmo, mas é necessário que te voltes nesta direção. Tendo escolhido ir por esse caminho, te colocas no comando da jornada onde tu e somente tu tens que permanecer. Esse passo pode aparentar exacerbar o conflito ao invés de resolvê-lo, porque é o passo inicial para reverter a tua percepção e virá-Ia de cabeça para cima. Isso entra em conflito com a percepção invertida que ainda não abandonaste, ou não teria sido necessária a mudança de direção. Algumas pessoas permanecem nesse ponto durante um longo tempo, experimentando um conflito muito agudo. A essa altura, podem tentar aceitar o conflito ao invés de dar o próximo passo para a sua resolução. Tendo dado o primeiro passo, porém, serão ajudadas. Uma vez tendo escolhido o que não podem completar sozinhas, não estão mais sozinhas (T-6. V. A. 6)”.

Pois bem, agora é a hora da mudança de direção do currículo, de uma tentativa de mudança em se exercer em volição e/ou julgamento para uma presença inteira diante de nossos amados irmãos. Eles estão aí e não te decepcionarão. Ao lado d’Eles estão os anjos, que vieram afinal. Se eles pedirem amor, você dá. Se eles derem, você também dá. Esse é o único resultado de soma zero, quando o mundo neutro deixa o amor se estender, pois a matéria não tem poder para coisa alguma (“nada do que vejo tem significado”). 

Por fim, já que começamos falando sobre diferenças, como podemos medir a nós mesmos em relação aos outros? Já dissemos que medir a si mesmo diante de qualquer outro é tomar-se em hierarquias.  Logo, nosso valor unitário somente pode ser definido por Deus, e não por nós mesmos, pois no pensamento separado provido pela mente errada sempre tomamos nosso irmão como um corpo diferente; e se ele é diferente, tal distinção em contraste tem que ser dada em algum grau, ou nível. Este grau ou nível pode ser de ordem familiar, de afinidades (amigos, colegas de trabalho ou partilhas de comunhão em ideais), pode ser que te ocorra que algumas pessoas sejam mais benvindas que outras, e aqui não quero dizer que tal tipo de preferência deveria ser necessariamente negligenciada. Mas a Filiação está em todos e em cada um, pois todo mundo responde por ser “o mesmo”, não existe especialismo de família, classe, raça ou crença para Deus. Tenha fé em todos. Sobre isso, são do escritor argentino Jorge Luís Borges estas palavras: “a preferência pode muito bem ser uma superstição”. 

Ame indistintamente e o mundo será um lugar de puro amor. Antes de despertar, é preciso ver o mundo real. Vamos nos esforçar para isso. 

domingo, 28 de abril de 2019

A prática do instante santo



Falaremos sobre a prática da disponibilidade ao Instante Santo por intermédio do entendimento desta passagem do Curso:

“Um espaço vazio que não é visto como cheio, um intervalo de tempo sem uso, que não é visto como gasto e plenamente ocupado, vêm a ser um convite silencioso para que a verdade entre e faça um lar para si mesma (T-27. III. 4:1).”


A cada vez que encontramos com alguma pessoa, surge uma oportunidade renovada para a cura. Qualquer pessoa, cada encontro, são oportunidades; e como tais não deveriam ser desperdiçadas. Dispor-se ao teu irmão em um tempo visto como não perdido, um tempo dedicado, um tempo sem anseio, mostra-te a verdade sobre a Filiação neste mesmo irmão.

                Este é o perdão verdadeiro, que não está aproximado de um juízo. O abandono do medo que sentes da Unidade está presente em cada encontro santo. O julgamento daquilo que está acontecendo já é distanciamento. Portanto, o encontro santo precisa de total disponibilidade, sem esforço, e o único juízo correto a ser aplicado nos encontros que nos são dados é este: estou aqui e não estou perdendo tempo, pois é impossível para qualquer pessoa viver fora daqui, ainda que seja por um segundo à frente no futuro. Quero estar inteiro diante deste meu irmão, e darei para ele toda a minha atenção.

                Tereza Edim, professora do Curso em Milagres em Belo Horizonte, costuma dizer que a coisa mais importante que você pode dar a qualquer pessoa é sua atenção. A atenção desapegada de propósitos vantajosos retira o sentido utilitário que podemos atribuir às pessoas e, por conseguinte, aos encontros que acontecem diariamente em nossas vidas. Dizendo de maneira bem simples, Um Curso em Milagres é um curso que utiliza os relacionamentos para trazer a mensagem da Filiação Unitária. O Ser Único nos é revelado no instante santo, por intermédio de nosso irmão santo, seja ele quem for. Este é o significado — e o resultado — do perdão.

                Um tempo passado com teu irmão tem que ser visto como uma benção. Toda a tua atenção deve ser voltada para ele, sem que isso seja percebido como um sacrifício. Se tal sensação ocorrer, não estás totalmente disponível e deves considerar que de alguma maneira não estás pronto naquela ocasião. Convém dizer que, até que o encontro santo seja natural para nós, essa flutuação estará presente. Mas uma abordagem de nosso irmão como uma dádiva de Deus para nós pode começar a fazer volver nosso sistema de pensamento em direção à mente certa e à correção da perspectiva prática daquilo que realmente é a Filiação.

                Se todos os egos do mundo fossem desfeitos agora, o que restaria seria o mesmo Cristo.  Os corpos, portanto, passariam a ser bastante desnecessários, pois os corpos estabelecem diferenças, e Cristo é o mesmo. Ver o Cristo em teu irmão significa ver a natureza real dele e, por conseguinte, a tua, pois é impossível ver “fora” o que não estiver “dentro” de você. Os encontros santos são a comprovação desta verdade. Mas para isso é preciso que haja disponibilidade tua para ver ao teu irmão como teu Salvador, aquele que é curado na medida em que te ajuda a ser curado também, pois não existem diferenças para Deus; e se um oferece a cura, os dois tem que ser curados juntos, simplesmente porque Deus não dá para tomar de volta.

                 Vamos ler novamente qual deve ser nossa postura em relação ao tempo que passamos com nossos irmãos, de acordo com o Livro Texto: “um espaço vazio que não é visto como cheio, um intervalo de tempo sem uso, que não é visto como gasto e plenamente ocupado, vêm a ser um convite silencioso para que a verdade entre e faça um lar para si mesma (T-27. III. 4:1).”

                Portanto, existe uma disponibilidade a ser treinada sempre que estivermos diante de nossos irmãos. Uma coisa que pode ajudar é lembrar do julgamento final de Deus sobre nós mesmos, e o julgamento final de Deus é este:

tu és meu amado filho, criado no amor e ao amor pertencente desde sempre e para sempre. Não podes ser julgado diferentemente, a não ser em sonhos. Mas sonhos não são reais e, portanto, sejas tu amor, pois é apenas isso o que és.

Ter essa certeza pode ajudar para que não precises pensar naquilo que pensas que teu irmão pensa sobre ti. A correção da autoestima surge do sentimento de ser amado. Nossa autoestima se engradece diante da lembrança/confiança nesta certeza.

                O instante santo tampouco pode ser induzido pela nossa vontade/volição. A única coisa necessária é disponibilidade. Estar verdadeiramente com uma pessoa é estar ali e só. Momentos assim são julgados como tediosos para o ego, mas lembre-se destas palavras do Curso, no Manual dos Professores: “Tu percebes o mundo e tudo nele como significativo em termos das metas do ego. Essas metas não têm nada a ver com os teus maiores interesses, porque tu não és o ego (L-pI. 25. 2:1)”. Uma das metas mais valorizadas pelo ego é o isolamento.

                O Livro Texto ainda diz que o ego irá apontar os milagres ocorridos nos instantes santos como fantasias (T-17. V. 7:1-14). O aconselhamento do sistema de pensamento da mente errada procura convencer-nos de que os milagres são “insanidade”, excepcionais demais, e que para promover a sanidade é importante, dentre outras coisas, manter distância do instante santo, isto é, de teus irmãos.  Às vezes a aproximação pode até mesmo ser encorajada pelo ego — pois o ego sabe que você não é bobo —, mas uma aproximação cautelosa, cheia de reservas, pois o teu irmão em estado de disponibilidade para o instante santo é um inimigo para o ego.
                O Livro Texto também se refere aos milagres ocorridos nos instantes santos como os momentos em que a Filiação te responde por intermédio de teu irmão. No entanto, adverte que o ego classificará tais atos como fantasias. O ego vai te dizer que a comunicação da Filiação pelo Um é uma fantasia, que estás enlouquecendo, e que deves excluir tais fantasias de teu irmão para salvar tua sanidade diante de “mistérios”. E depois adverte para que não ouças um conselho daquele tipo. Eu tenho um amigo, Marcos Morgado Ribeiro, com quem posso dizer que já tive a oportunidade de confirmar de maneira explícita o fato — pois é um fato — da unidade da Filiação. Já tive inúmeras declarações específicas vinda deste amigo em contextos muito particulares, divulgados como resposta às minhas inquietações através de postagens no facebook, mesmo sem termos conversado sobre nada disso (na verdade, converso muito pouco com meu amigo Marcos e ele sabe muito pouco sobre a minha vida). No entanto, suas mensagens são como balas de prata, pontuais, incisivas e irrefutáveis. Como poderia eu desdizer de especificidades como estas, se não fosse pelo fato de a Filiação ser uma só mente? E o que se dizer de tantos outros acontecimentos sincrônicos, que revelam um aspecto unitário subjacente ao mundo?

                 O conhecido psicanalista Carl G. Jung cunhou para isto um termo: sincronicidade. Quando eventos relativamente destacados de causa e efeito ocorrem diante de “acasos significativos”. Um encontro santo totalmente disposto ao teu irmão tem o poder de produzir acasos assim. No entanto, em nosso currículo, dizemos que os encontros santos revelam o caráter unitário da Filiação, e isso somente pode ser conseguido através do perdão.

                O Livro também nos diz que diante da ocorrência de fatos que comprovem a unidade da Filiação, o ego gosta de falar em “mistérios”. Que não é possível entender como isso pode ter acontecido, deve ser algum tipo de bruxaria etc. Nosso currículo é bastante diferente. Ele nos diz que estamos cegados pelo medo, mas o instante santo amoroso e completamente disponível para os atos ditos surpreendentes são a verdade em sua forma mais pura. Contudo, neste momento da história parece que o instante santo é algo estranho, perturbador, não científico e, portanto, desmerecedor de crédito. Vigora em nosso século a comunicação pelo ego, informativa, mas muito pouco conclusiva, que visa distanciar e produzir encontros não-santos, muitas vezes disfarçados sob a euforia de prazer que o parlatório fugaz e o jogo das ideias engendram. “Ficam no tempo os torneios da voz (Marcelo Jeneci)”.

                Por fim, acho importante uma advertência: nosso irmão não é um oráculo. Não deveríamos entrar no instante santo em busca de respostas objetivas, embora o curso diga que todo irmão tem as respostas de que necessitas. Muitas das vezes, pode ocorrer também de o encontro santo ser silencioso e abranger uma experiência de paz e confiança em alguma pessoa. O instante santo não serve para ganhar coisa alguma. Esse seria o entendimento do ego. O instante santo é um momento no qual ambos estão em serviço comum. No Manual dos Professores isso é explicado assim: “qual serve a quem? Quem ganharia mais somente com orações? Quem precisa apenas de um sorriso, não estando ainda pronto para mais? (M-29. 2:1-4).” Contudo, a experiência de imersão no instante santo produz cada vez maior percepção de seus efeitos, pois: “o plano de estudo é altamente individualizado e todos os aspectos estão sob a orientação e o cuidado particular do Espírito Santo. Pergunta e Ele responderá (M-29. 2:6-7).”

                Tenha fé ao perguntar.

                Obrigado por ler até aqui. Te amo, irmão querido.

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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A dor do instante

Bouguereau - lição difícil


Sinta a dor do instante. A dor do instante pura, sem subterfúgio de alívios imediatos. Preste atenção neste pedido urgente: você precisa de alguma maneira verificar a dor do instante como é. Fugir é para quem anda em desertos. Sinta este instante como é, totalmente, sem precisão de fuga. Apresse a si mesmo nisto. Sinta a dor do “instante este”, imerso naquilo que se diz vida, diante daquilo que se diz vida, sem querer escapar para outra coisa “maior” que a vida. Viver dói.

A vida pura, a vida imediata e urgente das questões não resolvidas que, imersas na dor, não se resolvem como cimento de cova e paralisação. Frente a frente com o que parece ser morte, mas é vida viva e pura, conforme se estabelece diante daquilo que o medo paralisa ante um verdadeiro ato sincero e honesto, a vida pode ser, finalmente, vivida.

Um suspiro, um vulto, o medo de estar imerso em si mesmo aparenta morte. Mas, na verdade, aquilo que o medo chama “vida” é que é na verdade morte, formato zumbilândia mundo. Diante do ato grave em que algo verdadeiro se apresenta assim, diante deste ato grave, pouco conta se alguém se dá como famoso, rico, esteta, bem quisto, necessário, competente, pois tudo isso apenas finge vida zumbi.

“Nunca há de se falar o que se sente” dentro da prudência que acovarda. Se prudência for virtude, então o caminho é pé atrás, sempre adiante o futuro que virá, trazendo de presente a vida lá depois da curva que acertará o caminho. Qual é? Como assim? E cada caminho traçado na imersão pura e simples de um único instante não é o total? Você gostaria de somar “mais”?  Deveríamos rir disto tudo, irmão.

Tens saudades do teu tempo de criança? Queres tirar água do poço com peneira? A criança é puro instante, experiência de vida pura, esquecida, retomada em um retrato em preto e branco totalmente distorcido. Vais querer mesmo procurar aquele caminho aonde morava teu coração esquecido? E aquela criança não é você mesmo, que cresceu? Então aquela criança agora tem medo de quê?

Retrovisores apontam para o cuidado em se dirigir atento para frente, mas mão no volante é aqui, agora, o instante este, total, abarcando os erros, percebendo as placas de cuidado, atenção e pare, quando for de parar, pois o carro acelera e anda sob comandos, ele não tem outro destino que não seja o do motorista. Mas alguém pode dizer que o acidente não deixa de ser uma experiência. Imerso na vida, sim. Por fora dela, é só um pouco mais de ação no teatro zumbi.

A dor da vida não se resolve interpretando simbolicamente o que mundo apresenta como sendo “seus atos”. Uma espetada aqui e ali não há como se evitar, e tudo o que você pode ter é o controle do carro, você não pode refazer a estrada a seu bel-prazer. Mas pode andar por trilhas no Cerrado, caminhar caminhos diferentes, soprar o vento na vela das barcas, o caminho está aí para ser percorrido, e nunca está limitado por coisa nenhuma que não seja o medo.

Mas o engraçado disso tudo é que advogamos pelo medo, não queremos vida viva de jeito nenhum. Viver se assemelha à morte no projeto zumbi. O mundo zumbilândia te oferece este prazer: viva a vida aguardando o futuro, imaginando-o em formas e atos na mente, vida viva na mente, até que o “instante este” seja súbito e instantâneo, diante do game over que se diz ser a única certeza.

 A única certeza do carro é mesmo o ferro-velho, mas com o motorista o negócio é muito diferente, não é mesmo? Cada respiração pede pela vida, mas o medo diz: “pare, cuidado, prudência, só se vive uma vez”, e até mesmo esta advertência o projeto zumbi distorce, em favor de um ato em pé atrás, para sempre por fora da vida, dentro da mente, pensamentos suicidas e algum julgamento para apaziguar a loucura diante de certezas e razões.

Eu tô precisando mesmo é viver. Não sei o que você vai fazer para se virar no projeto zumbi, diante do que está aí, posto; mas eu estou querendo sentir a dor de viver, irmão. Jogado no laço do vento, diante de expectativas que se constroem, mas que eu mesmo não domino. Meu amigo Marcos Morgado diz: a fé pode mover montanhas, mas nunca se sabe o lado do tombo. O projeto zumbi foi muito bem arquitetado, mano velho. Agradeço aqui ao meu amigo, que me ensinou isto.

Mas sempre haverá os defensores do projeto zumbi. Muitas vezes, seremos nós mesmos estes traidores. Por isso é preciso vigilância. “Vigia, vigia aí, não deixa ele te engabelar”. Como dizia Waly Salomão: “nada que se aproxima me é estranho”. Quero correr o risco de viver, este é meu desabafo. Espero forças para ver e refutar o projeto zumbi. Uma porta aberta, escancarada para o que vier, sem buscar prudência comprada na feira da luta pela sobrevivência. Eu ando morto há alguns anos. Sou um zumbi refletindo sobre minha própria condição, e haja saúde! Mas nisto já existe liberdade em enxergar, embora eu concorde totalmente que olhos há muito tempo acostumados com o escuro tem dificuldades em enxergar na luz. Eu vi a réstia. Quero caminhar para fora. Quem sabe a gente não se encontra por lá e participa da festa que deve estar rolando? Pois, para mim, quero apenas isto. Quero tudo o que é direito de quem é total, feliz, íntegro. Coitado é para quem coitado. Luz para nós todos, irmão, pois luz é para todos, senão é só lanterna em meio a escuridão. Eu não quero mais isso. Quero ser convidado para a festa, pois sei que agora mesmo tem uma galera lá. E festa boa mesmo é assim.

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domingo, 3 de fevereiro de 2019

Sobre a brecha





O corpo tem valor pelo que traz. Esse pensamento tem em si toda uma tese divulgada sobre o que significa a brecha da qual tanto se fala no UCEM. Já dissemos em outra oportunidade que não há nada de errado com o corpo, e que tal entendimento seria algo como um desvio de significado. O que precisa ser entendido com muita urgência é que o corpo pode ser utilizado equivocadamente, como um bloqueio, ou brecha, na comunicação.

Falemos, então, e primeiramente, sobre a comunicação. A mente é única e se comunica através deste um, em um princípio simbólico e unitário, que no UCEM é chamado de filiação. A filiação não é nada mais nada menos que o reconhecimento integral desta mesma mente em todos os teus irmãos. Muito simplesmente, os instantes santos podem te reafirmar isto, a cada vez que for percebido, e tal percepção ocorre mediante a tua disponibilidade em comunicar “pelo um”.

Presta atenção às palavras de teus irmãos, perdoando seja o que for que te digam. Nem sempre eles estarão na consciência da filiação, e neste caso, deves mesmo tomar a decisão correta, mas o teu amor por eles pode facilitar bastante esta ocorrência. Não pense que por estarem em corpos separados suas mentes estão separadas igualmente. Isso não faz nenhum sentido. O mundo pensa em termos de pensamentos privados e acredita firmemente nisso. Tal crença dá realidade a um mundo de corpos separados, e corpos assim separados seriam “brechas”, nas quais poder-se-ia manter os pensamentos privados, isoladamente.

Mas se todo pensamento cria forma em algum nível, então é impossível que o mundo como um todo esteja separado do pensamento coletivo da humanidade. A noção de que “uma andorinha só não faz verão” está bem representada pela forma com a qual todo tipo de ocorrência que se vê no mundo não é nada mais nada menos que uma construção coletiva, embora ainda bastante inconsciente neste momento da história. O mundo é uma construção simbólica, mas muito útil, mesmo quando usada diretivamente. No entanto, não é real.

O investimento nos pensamentos privados — e por essa expressão não queremos dizer apenas dos pensamentos que julgas indignos, ou daqueles que gostarias de ocultar, mas de todo o pensamento possível —, repetindo, o investimento na possibilidade de haver pensamentos privados é uma decorrência da crença do corpo como uma cápsula para a mente. Isso provocaria uma brecha na comunicação, e a ocorrência firme da separação como um esteio para o pensamento próprio, motivado pelo ego, seria comprovada, caso os pensamentos pudessem manter-se privados.

De modo bastante diferente, a mente única pode se comunicar “pelo um” direta ou simbolicamente. “Sinal amarelo”, por exemplo, “é atenção”. Pois não tem essa música, que diz: “no Novo Mundo / nada passa desapercebido. / E não existe mais sabido, / tá tudo aí.” Mas, se olharmos diretamente para isso, veremos os símbolos da mente única, para o bem ou mal, pois estarás preparando a si mesmo para que vejas a Cristo em todos os teus irmãos, ao que a brecha será, assim, desfeita. Para isso, no entanto, a disponibilidade deve ser total. A entrega ao instante santo não deve ser entendida tampouco como um atributo a ser realizado mediante a presença de pessoas especiais. Quantas vezes será preciso repetir que não existe tal coisa como o especialismo? Cristo está em todos e em cada um, e nesse paradoxo está revelada a unidade da mente. Negar o perdão na presença de qualquer um que seja é negar o instante santo, e consequentemente reforçar o significado da brecha, tendo o corpo reforçado como uma cápsula que te dá uma ideia de personalidade.

Jung criou na psicologia a expressão “complexo”. Existem os “complexos de superioridade e inferioridade” e vários outros que foram determinados utilizando esta expressão, como o “complexo Materno e Paterno”. No entanto, um estudioso das obras de Jung, chamado Edward Whitmont, atentou para um caso específico desta distorção: ele recolheu das obras do psicólogo o conceito de que o ego é apenas mais um complexo, o “complexo de personalidade”. E esta definição deixa claro que o ego é apenas uma crença em uma personalidade que pode fazer coisas.

Na verdade, a filiação se une nas criações de Deus, que não podem ser concebidas através da mágica. “A união faz a força” nem sempre parece dar certo. Porque será?

Pede para ver e verás. É muito simples! É muito mais simples do que sempre pensas. Não existe nada mágico nisso. A mágica quer fazer crer que existe unidade em coincidências fortuitas, na medida em que nega o instante santo ao falar de amor exterior, amor pelo próximo, amor pelas pessoas, pela humanidade, em ser sempre bom e de bem, em estar amoroso em vias de se dizer gestor de tal tipo de amor. O ego escolhe a quem amar de acordo com as vantagens que vê ou não. E até uma mesma pessoa pode ser vista por ele hora como boa, hora como má. Isso traz o conceito de distanciamento, pois é preciso se precaver contra os momentos em que teu irmão irá atacar. Para isso, muitas vezes é necessário, em nome de tal amor, contra-atacar para preservar tua segurança. Não parece loucura tudo isso, diante de nosso aprendizado?

E é bem isso que é! Certamente, neste momento da história, um despertar coletivo não parece possível. O sistema de pensamento que reforça o corpo como cápsula é sobrevalorizado, e quando surgem histórias de pessoas que se comunicam “pelo um”, isto é dito como um fenômeno paranormal, reservado a algumas pessoas especiais.

A verdade é que não existem pensamentos privados. Existem escolhas. Nisso podemos seguir por um caminho bastante familiar: parece que não sabemos decidir direito, e por isso a união “pelo um” pode muito bem ser mal compreendida como repreensão. Na verdade, o mal e o bem são categorias que podem ser vistas de cima do campo de batalha como sendo irreais. Então, como poderia surgir a culpa? Houve o erro na escolha? O equívoco na decisão? Pois escuta o que o livro te diz: escolhe outra vez. É simples. No entanto, reserva-te no que Jung dizia sobre a realização do arquétipo de si-mesmo: ao se perceber a característica da unidade, é preciso ter ética. O que se quer dizer com tal ética? O que poderia ser, senão o perdão ao outro, e consequentemente a si mesmo?

Todos temos que tomar decisões aqui. Isso nos leva a uma questão fundamental, e a questão é essa: quem é você? Ora, muito simplesmente você é a instância que toma as decisões, enquanto assiste a esse corpo mitar em ego ou se comunicar pelo um. Você é o observador, o tomador de decisão, apenas isso, enquanto se pensa encapsulado neste fenômeno corpo. O ego ou o Espírito Santo atuam em corpo, enquanto dormes. Mas sempre é um ou outro que está atuando neste teatro mundo, e você vai perceber isso, quando quiser parar de jogar o jogo do bem versus o mal.

Portanto, e muito simplesmente, a comunicação não se dá pelas palavras “em estado de dicionário”, como diz Drummond. Às vezes, algo é dito em sentido completamente diferente das sequencias de palavras, acaso isoladas em significação unicamente racional. Muitas vezes, o que se fala não condiz com o que se diz, e a resposta não está nas entrelinhas, está na comunicação “pelo um”, que sempre deixa seus claros sinais.
Falamos sobre o tempo como sendo irreal e isso parece que não pode deixar de ser assim, pois uma coisa sempre parece surgir depois da outra. Mas é justamente por conta disso que podemos ver sua irrealidade, pois o tic-tac do tempo não é nada mais que uma ilusão de mudança nas formas. De onde estamos, não temos nada a ver com essas coisas que vemos mudar. Lembra disso, pede apenas para lembrar disso por ti mesmo.

Então, do ponto onde somos um, o mundo se torna o símbolo da união “pelo um”. E o corpo perde o significado de trincheira contra a unidade, ao que o perdão se torna a única resposta possível. Há ajuda nisso. Pede, mas pede com certeza. Usa os exercícios para isso.  “No começo é difícil / eu sei que é / mas depois não é mais não.”



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quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Sobre a firmeza da crença diante das dúvidas



A firmeza da crença estabelece a direção. Caso um estudante acredite firmemente que algo de ruim acontecerá, isso será transmutado em forma, mas tal coisa não se dá por conta de o “universo conspirar” contra ele. Na verdade, houve um erro de pensamento e isso realizou-se na matéria como equívoco em ato. Da mesma forma, e através de um efeito semelhante, não existe tal coisa de o “universo conspirar a teu favor”. Certamente, a Ajuda existe e está sempre a teu lado, mas isso não ocorre ao acaso. Assim, é preciso direcionar correta e favoravelmente as crenças nas quais investe teu pensar.

Um mundo claro se descortinará a partir de um único pensamento correto. O mundo é efeito e o pensamento é o meio através do qual a causa pode ser controlada. No momento em que o ego se torna o construtor das causas pelas quais pensas que pensas, os efeitos tornam-se destrutivos, embora possam ocorrer inicialmente sob o disfarce benfazejo. Mas o tempo é o liame entre os efeitos e suas causas, e terrivelmente os efeitos de pensamentos errados mostram em ato os erros em formato mundo. A depressão, por exemplo, é efeito de um acúmulo destes tipos de pensamentos. “A solidão é uma forma de egoísmo.” (Arnaldo Antunes).

Então a pergunta lógica que surge deste preâmbulo é esta: como ter somente pensamentos corretos, que possam mostrar em ato as imagens de um mundo amoroso? Inicialmente, a mente precisa ser treinada nesta direção. O mundo não fornece este tipo de treinamento em abundância, pelo menos não neste momento da história. Uma alternativa te foi dada e a gratidão por leres até aqui somente surge porque de alguma maneira reconheces um sistema de pensamento consistente, e tal pensamento se baseia nos ensinamentos de Um Curso em Milagres. Posto, então, que nosso Curso é uma benção, vejamos algo baseado na compreensão dos erros surgidos do especialismo, que pode fazer-nos convencer de nossa mente certa.

O especialismo, como sabemos, é uma tentativa de distinção. De alguma maneira, o ego quer se distinguir. Não importa a direção da distinção. Como o Curso mesmo diz, pode ser mais prestígio, mais razão, mais certezas, mais posses, mais cultura, ou até mesmo mais dor, mais miséria, mais sofrimento que outros, qualquer coisa que aponte para uma distinção. De alguma forma, precisa ser “mais”. A igualdade para o ego é morte, pois quando dois estão a dizer do mesmo, sabemos a Quem chamamos, nestes casos. Mas o especialismo difere e aponta para o isolamento, que pode certamente acontecer em um cume de glorificação para o mundo. Veja o caso de famosos como Marilyn Monroe ou Kurt Cobain e seus trágicos destinos. Por outro lado, alguém pode se pensar “humilde”, o menor de todos, equivocadamente tomando isso como um “especialismo para baixo”. O menor de todos é o sem-ego, mas isto não se diz “menor” em uma escala comparativa. Portanto, as garantias que o ego provê de distinções especiais são o escudo contra a união.

Vejamos, então, como podemos realizar um processo prático para evitar a compulsão para a distinção que o ego provê.

A primeira distinção é teorizada por um corpo. Se eu sou um corpo, logo eu sou diferente daquele outro corpo ali. Essa crença em ser um corpo já é distinção. Não existe qualquer problema com o corpo, como pensam tolamente alguns estudantes do Curso. Mas o ensinamento de que ele é apenas um instrumento de aprendizado não pode ser bem compreendido se o corpo for visto como um fim em si mesmo. Vocês sabem o que dizem por aí: o meio é a mensagem. Se o corpo for o meio, a mensagem é material, carne, ossos e, futuramente, morte. Mas o corpo certamente morre, então como nos vemos diante do ensinamento de que não existe morte? Somente se nossa crença for direcionada firmemente para o fato — e isto realmente é um fato — de que não somos o que cremos corpos, poderemos escapar da ideia de que existe morte. Isso dificilmente ocorrerá do dia para noite. Ocorreu com Paulo dos Evangelhos e mais modernamente com Eckhart Tolle, mas sabemos que o processo de Buda, por exemplo, foi paulatino. Ele percebeu que os desejos apegavam o corpo às coisas, e a mente ao corpo. Isso não quer dizer absolutamente que você não possa saborear um bom prato em uma ilusão de satisfação, mas você precisa saber que se trata de uma ilusão. Descrer na matrix ainda dentro da matrix desfaz o desejo insano daquele que preferiu a ilusão de sabor como verdade amnesiada. Portanto, as coisas que o corpo sente através de suas percepções são ilusórias, mas não são amaldiçoadas. No entanto, favorece em direção à mente certa pensar em tais oferendas do corpo como ilusões, e não se apegar ao “mais”.

Um dia depois de outro dia. É assim que se faz. Muitas vezes, o desejo por ter mais luz é uma forma enganosa de se acreditar “espiritualizado”. É uma falácia em direção ao que o Curso ensina acerca de buscar e não achar. Ter uma crença firmemente estabelecida, mesmo quando os efeitos não são visíveis, é o mesmo que fé. A fé não deseja nada mais. No entanto, a fé é um passo preliminar. A liberdade surge mesmo é do conhecimento.

Como o Curso define conhecimento? Na verdade, ele não define, pois “Deus é indelineável” (Guimarães Rosa). O conhecimento surge na mente daquele que tem fé. Ver para crer é a crença daqueles que buscam “algo mais”. Crer ainda que não se veja é a crença daqueles que seguem a esperança balizada em um fato concreto. O conhecimento é um fato, o corpo não.

“Mas como assim o corpo não é um fato? Ora, eu estou até doente!” Eis uma questão típica. Você pode sentir coisas, mas a percepção é ilusão. Se você ainda não sabe fazer passar sua dor de cabeça através de um processo mental, não existe erro em tomar uma aspirina, mas você deve ter em mente que a ciência é feita por homens que tem a mente voltada para o fato de que acharam a cura em pílulas e comprimidos. É por isso que os medicamentos dão certo. Há todo um sistema de crenças que favorecem a cura através de meios físicos, e neste momento da história isso tem nos atendido, e muito bem.

Mas você deve saber que aquele comprimido um dia foi uma ideia na cabeça de alguém. Assim, sua cura está sendo indiretamente abençoada por meio de uma associação de duas crenças amáveis: aquele que creu na cura e aquele que crê no efeito. “Tudo é uma ideia” (T-5. I. 4:2). “Todo pensamento produz forma em algum nível” (T-2. VI. 9:14).

Então, quem pode estar doente, senão a mente? O corpo fornece a tese, a mente teoriza. Ninguém pode morrer se não for sua própria decisão, isto o Curso deixa claro. Uma outra coisa que o Curso deixa igualmente manifesto é que “daquilo que tu queres, Deus não te salva” (T-12. VII. 14:6). Deus não pode invadir tua mente e te fazer crer. Isso seria uma violação do teu poder e Deus não é um invasor. O ego, por outro lado, é totalmente oposto a essa ideia, entra sem pedir licença e tenta de convencer de que você é fraco, doente, escasso, miserável, infeliz, solitário e outros etc que muitas vezes divertem a mente voltada para a fé no especialismo.

Sim! A fé pode ser mal direcionada. Cura a ti mesmo associando tua fé aos pensamentos certos de Deus. Tens que treinar tua mente nesta direção, pois sozinho não vais conseguir. Pede para ouvir o Espírito Santo, pois ele é um fato, e um fato amigo, um amigo indicado. Pede, mas pede com fé, e não esperes nada nem acredites que a aparente ausência de resposta seja motivo para desmotivação. Mantenha firmeza em tua crença mesmo diante da dúvida, e se uma tese de especialismo se apresentar para ti, lembra que você não precisa de nada para experenciar o nascer ou o pôr do sol. “O melhor da vida é de graça” (Marcelo Jeneci).

Ama, mesmo que seja sangrando. Até que o amor — e a dor que o amor verdadeiro aparentemente traz — seja para ti o mesmo que a benção do corpo desacostumado com o que amansa e reconforta, e parece um incômodo, traduzido em um espelho claro de efeitos que passarão a surgir no mundo a partir da causa real: a mente certa. Mas para isso é preciso empenho de tua parte. A  fé pode ser mal direcionada, mesmo diante de tua boa vontade, pois a boa vontade, por si só, diz muito pouco.

Ama o teu corpo, mas não pares nele. Nem te ilhes. O Curso diz: te insere entre teus irmãos com alegria. Eles não precisam que tu dês a festa, se não quiseres; alegria é para contigo mesmo, e é mais que suficiente. Isto será sentido, não é necessário nenhum esforço se estiveres satisfeito consigo mesmo. Leste até aqui e entendestes, então como poderias não estar satisfeito consigo mesmo e com teu aprendizado? Como poderias não ter acesso aos pensamentos da mente certa, se entendes?

Mas logo virão as tais “dúvidas”. Vamos chutar as dúvidas para longe! Outra hora a gente tenta tirar as dúvidas. Basta, por enquanto, saber que querer mais de qualquer coisa é uma bobagem e fé no especialismo. E que o corpo é um instrumento de aprendizado que pode ser muito útil. E vamos brindar a isso com uma ilusão de vinho!

“Onde está, ó Morte, a tua vitória?
Onde está, ó Tumba, o teu aguilhão?” (1 Coríntios 15:55).

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