domingo, 28 de julho de 2013

É possível perdoar o outro?





“Cada cara representa uma mentira
Nascimento, vida e morte — quem diria?!”
(Juventude Transviada — Luiz Melodia)


Não é possível ver outra pessoa realmente. As ideias transitam em formato corpo e cada uma representa um ego. Conforme sendo legião, este mundo aparenta cheio de pessoas. Algumas parecem amar algumas outras; elas se encontram, vão e vem, riem, choram, protestam, advogam por, mas sempre parecem incompletas a si mesmas. Esta sensação de incompletude nasce obviamente de um senso de limitação. Tal senso é percebido pelo vivente como sendo “a personalidade”, mas ele não crê que seja assim. 

A identificação com corpos produz novos efeitos em egos. Cada vez que alguém se vê como um atributo, fortalece-se a ideia de uma personalidade. Sou feio: personalidade. Sou amável: personalidade. Sou pobre: personalidade. Sou justo, errado, tomado por medidas, alto, leve, ladrão, injustiçado, falta-me algo, estou completo: tudo personalidade julgando a si mesma como sendo isto ou aquilo. 

A única coisa que se pode saber sobre o outro é que ele precisa de amor. Sempre se precisa de amor. O amor aumenta ao ser doado e neste mundo o outro serve como parâmetro em doação. Amar uma pessoa é não a perceber como um ser julgável. Seus atos transitam no tempo e podem ser julgados, pois quando houve “a queda”, imediatamente surgiu o direito. Mas o filho de Deus não habita em um corpo. Ele não pode ser julgado. Apenas o amor ao símbolo que a pessoa representa como se fosse apenas ego pode traduzir uma eleição em direção à mudança real, que é não ver-se em corpos.

Entenda: não há nada de errado com seu corpo, mas você não é seu corpo. Por isso Jesus diz na Bíblia: “não julgueis para não serdes julgado”. Julga-se a ideia que se vê em corpos como se fosse “um outro”, mas tal é apenas o julgamento do mesmo, promulgado em ideias. O corpo é uma ideia criada, que fatiou o Filho de Deus em várias partes, e cada parte acha que pode julgar a outra, como se o fígado pudesse julgar o rim ou o coração pudesse julgar o cérebro. Haja esforço, então, para se arranjar relações. Entender não é saber. Apenas assim o coração perdoa. Os significados dos símbolos são tautológicos.

Por que acreditas que este texto é difícil? Ele fala coisas simples, mas não parecem simples para ti porque preferes não crer nisto e seguir até um suposto fim, carregando esta coisa a que te deste nome como se te fosse útil. Ninguém completa ninguém. Contudo, dois ou mais podem se completar em Um. Se aceitas que as ideias são apenas promulgações do mesmo, a mesma ideia repartida em corpos são meramente ajustes. Por isso se diz no Um Curso em Milagres que “não precisas fazer nada”. Realmente, não precisas fazer nada para seres Quem És. Se fizeres alguma coisa ou se te faltar alguma coisa para seres quem és, tens que te estar “construindo”. Mas tu já foste criado em Deus, não precisas te reconstruir, precisas apenas desfazer teu ego, e para isso existem vários caminhos plausíveis. O meu é o estudo de Um Curso em Milagres.

Nenhum corpo irá iluminar-se. Ninguém vai "salvar-se" como sendo uma personalidade. Nenhum que pense “eu vou” está certo de coisa alguma. O mundo não vai melhorar através do direito, pois o mundo é uma ideia. O ajuste do mundo é um pressuposto impossível, que gira em intermináveis vicissitudes. Basta ver o desenvolvimento das eras, das civilizações; uma termina e dá início à outra e nenhum se aquieta. “O mundo é movimento”, dizem. Eu te digo: deixa o mundo aos mundanos, pois apenas assim poderemos trazê-los. 

Ademais, não podes perdoar uma pessoa. Não perdoas uma ideia. “Tudo é uma ideia”, assim é ensinado no Um Curso em Milagres. Mas apenas o perdão pode salvar-te. A verdade se apresenta em paradoxos. O perdão não é um ato de limpeza. Certa vez escrevi aqui: “o perdoado não é aquele que limpou os outros, mas aquele que não viu o sujo jamais”. Trata-se apenas disto: “perdoar é não ver. Olha, portanto, para o que está além do erro e não permitas que a tua percepção pare nele, pois vais acreditar naquilo que a tua percepção demonstra. Aceita como verdadeiro só o que o teu irmão é, se queres conhecer a ti mesmo. Percebendo o que ele não é, não serás capaz de conhecer o que tu és porque o verás falsamente. Lembra-te sempre que a tua Identidade é compartilhada e que o Seu compartilhar é a Sua realidade.” Isto está no Um Curso em Milagres, Capítulo 9: “A Aceitação da Expiação”. 

Gosto de escrever e, escrevendo, perdoo o que faço. Para aceitar a verdade é preciso aceitar seus paradoxos. Nada posso criar realmente sem a ajuda do Espírito Santo. Nada posso sem a ajuda de Cristo, pois Nele a minha fé espelha Deus. Agradeço a todos que leram até aqui. Peço neste momento que a benção do Espírito Santo nos ajude a lembrar de nossa santidade em amor, pois neste momento este mundo que sonhamos recai sobre uma ideia prevalecida em ausência de amor. Obrigado a ti. Agradeço ao Espírito Santo. Amém.

“Eu entendo a juventude transviada
E o auxílio luxuoso de um pandeiro”
(Juventude Transviada — Luiz Melodia)

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O onanista e o espírito



               No UCEM, os milagres são ditos de prata, em comparação aos sonhos dourados de felicidade do Filho de Deus — mas ambos devem ser guardados como tesouros (T- 28; III; 1:1). O tesouro do Filho de Deus, mesmo enquanto sonha, é a felicidade que percebe. Mesmo aqueles que se creem separados ficam felizes quando ficam felizes. O milagre viria então em segundo lugar, em escala de diferenças de níveis, mesmo suplantando os níveis, pois ele permite ao Filho a perpetuação de seu tesouro primeiro, que é a felicidade. Nos princípios dos milagres está dito que “uma das maiores contribuições dos milagres é a sua força para liberar-te do teu falso senso de isolamento, privação e falta” (T-1; I; 42).

               O onanista é isolado, privado e faltoso, pois baseia sua vida unicamente em sua “imanência” pessoal. O objetivo dele é a perpetuação do prazer pessoal, isto é, um empenho na percepção como um “valor” que faz com que o mundo torne-se altamente sensual, pois o sentido evoca a percepção em busca de satisfação. Obviamente, tal fato não se dá apenas na sexualidade.

               A derivação da satisfação em suas formas aprazíveis como fantasias ou melhorias contínuas do sonho são as metas em imagens que surgem na mente do egotizado, ou onanista. Ele simplesmente deseja.     Contudo, daí à consecução do desejo já é outra história. Geralmente, a fantasia criada pelo ego fornece a maior distância possível entre a imagem da fantasia e a execução desta. No entanto, o que há de intercessão em termos frustrantes é apresentado como a realidade do sonhador.  Assim, a fantasia grandiosa de ser algo ou alguém é demonstrada em contraponto ao fato de ver-se em vida como nada ou ninguém. A ênfase, logicamente, recai sobre o nenhures.

Uroboro
               Então, o onanismo surge como sucedâneo da vida em fantasia. A satisfação consigo mesmo através de imagens feitas pelo sonhador, seja em termos íntimos do corpo, seja nos termos esquizofrênicos da dissociação, torna-se uma meta definida, altamente valorizada, e ilusória como uma pedra falsa na moldura do falso retrato. Para o sonhador, entretanto, este estado de satisfação temporária detém muito de seu empenho, pois nisto ele pode sobrevalorizar seu sonho e ater a ele “objetivos” e “satisfações”. Tais gratificações insanas criam um sistema viciante, pois propõem que um dia saciarão o desejo. Contudo, falta ao onanista a percepção de que o desejo alimentado pela “gratificação” é a mesma imagem que a gratificação fornece. Assim, não há gratificação alguma. O onanista é alguém como uma Uroboro: uma cobra engolindo o próprio rabo, cujo objetivo insano é devorar a si mesma. Aqui a imagem simboliza a loucura da autossatisfação ou o ultimato da autonomia.

               Portanto, podemos dizer que o onanista é o idolatra: ele quer aquele mais! Ele masturba sua consciência em busca de uma imagem de si mesmo na qual possa se ver. Ele não vê os outros, mas sua projeção em outros. Ele não vê sua função, mas a projeção de si mesmo em fazer coisas. Ele não vê sua derrocada, mas a sua dor incompreendida. Assim, precisa de mais de si no mundo; é necessário que o mundo seja ele mesmo, dividido em vários sensores de si que não podem ter a nobreza de suas sensações. Sua meta seria uma orgia cósmica de seus sentidos, e o sucesso deste empreendimento viria sobre o orgasmo de uma compreensão total dos seus pensamentos corretos, mas incompreensíveis até mesmo para ele. Tal é, na mente do separado, a contração em mito de Sodoma e Gomorra.        




As palavras até agora apresentadas envolvem sensualidade, mas este aspecto do onanista abrange um profundo investimento no “eu” para muito além da libido. O “eu” torna-se tudo, inclusive sua religião, que venera obviamente o deus “eu”, ou um “ex-deus” venerado por um “ex-eu”. Este blog, por exemplo, pode ser uma boa prova disto, na medida em que ele visa substituir ensinamentos que estão bem mais clarificados no próprio Curso em Milagres; e apenas um milagre pode fazer dele algo diferente do que me aparenta agora. Para mim, que escrevo, onanismo é meta! Deus me ajude a livrar-me desta percepção de mim mesmo.


***
               Acalmamo-nos agora em termos diferentes. Pois precisamos sair daqui com alguma sabedoria. Decerto que o onanista não pode ser referenciado como totalidade. Sua meta é o isolamento para fora, e este paradoxo pode servir para a própria solução da situação, visto que a salvação se revela mesmo é em paradoxos.

               Em alto empenho, há uma referência entre o onanista e o esteta, onde se encontram formas semelhantes de julgar o mundo. O esteta se diferencia ao ver a beleza como um valor em si. O onanista vê a beleza apenas em si, e nisto está o valor da beleza para ele. Cada um vê para si um tesouro diferente, mas apenas uma moldura guarda um retrato bonito, que não precisa de moldura, pois ele mesmo é a beleza. O onanista pode lembrar-se do esteta, o seu oposto enantiodrômico, isto é, o “contrário dentro dos mesmos termos”. O que o onanista vê através de seu ego não precisa ser a cauda que devora. O esteta pode ensinar que as imagens são apenas falsas concepções em formato joia, mas seu valor está em algo que os transcende. Nada neste mundo é bom ou mal, nada é julgável. A insanidade surge do desejo, que é um julgamento em ter. O esteta contempla, vê e então se vai. Ele sabe que a beleza não pode ser aprisionada, que ela não está naquele belo poema, naquele belo quadro, naquela bela música, da qual eles são meras indicações. O esteta apenas apresenta para si as formas que outros propuseram, e assim ele pode perceber a beleza dada como recebida, e ele é para a vida um vetor da beleza em si, enquanto aprende que a beleza que vê está nele mesmo. Ela não “faz uma beleza” para se hipnotizar. Ele vê o belo no sublime. Assim, percebe que as imagens em beleza neste mundo apenas apontam para a Verdadeira Beleza que é o Reino, e o esteta sabe que o Reino não é deste mundo. Ele não quer devorar as imagens com os sentidos, pois sabe que a Beleza não é uma imagem. E sabe também que o seu corpo não é o lugar da beleza, mas que pode simbolizar o esteta enquanto ainda estiver sonhando. O onanista precisa lembrar-se de não projetar mais. Sua gana em dissolver-se pode muito bem ser compreendida como uma ânsia pela unidade projetada “para fora”.  O onanista precisa urgentemente lembrar daquilo que dissociou, conforme descrito acima.

               Calma é o que se pede em termos nos quais as imagens do mundo podem desassossegar um irmão.


               Pai, pedimos aqui para esquecermo-nos dos ídolos que fizemos para substituir a Ti. Pedimos a experiência da nossa verdadeira natureza, para que nossa fé possa crescer em um fundamento verdadeiro. A única Vontade que é a nossa é a Tua, e apenas Nela veremos o que é belo e bom. Pedimos a Tua Intercessão para que saibamos disto por nós mesmos, amém.

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