domingo, 2 de outubro de 2016

Sobre a consciência dos milagres



Gostaria de compreender essa passagem do Curso:
“É necessário provar indiretamente a verdade em um mundo feito de negações e sem direção.” (T-14; I - §2:1)

Se a causa de algo está aparente, então o seu efeito deveria estar igualmente claro. No entanto, a causa dos milagres pode não estar clara para aquele que o presenciou ou ofereceu. Assim, para este, o milagre parece ter sido “dado” e uma graça se fez. Se ele não pode perceber que autorizou a presença da graça, então a verdade precisa ser provada de forma indireta. A isto, geralmente, se atribui um “ato maravilhoso” ou “bondade de Deus”. Contudo, Deus não oferece nada a Seu Filho caso Ele Mesmo não tenha permitido para si a presença.

Uma ocorrência em amor não pode ser julgada. Ela está para o sujeito da experiência como para um ato em disponibilidade. A culpa gera o erro em julgar-se como não merecedor. Em um mundo no qual a grandeza está obliterada pela culpa, o valor do Filho de Deus tem que ser demonstrado de forma indireta para que possa lembrar-se de si. A causa estará implícita nos efeitos que serão para ele apresentados, como se fosse mesmo o contrário. Assim, indiretamente, diante dos milagres, o Filho de Deus acreditará que algo aconteceu “por acaso” para ele, ou que ele está diante de "sinais". Isso é o que verdadeiramente precisa ser invertido. O milagre é um direito ou herança. Ele não surge como uma acepção de causas imerecidas. Portanto, vamos primeiramente demonstrar o valor do Filho de Deus. Posteriormente, vamos compreender como o pressuposto do milagre surge indiretamente neste mundo, para ser depois vagamente compreendido e, finalmente, aceito.

O Filho de Deus consciente de Quem É vê milagres como naturais. Ele sabe que o pressuposto da Causa não pode ter abandonado Sua Fonte. Se ele está consciente de si mesmo como um Efeito de Deus, então a causa de sua aparente vida, ou seu estar-no-mundo, não pode ter outra Fonte que não seja Ele Mesmo. No entanto, se Ele não está consciente de Quem É, a sua real natureza precisa ser-lhe demonstrada de modo indireto, pois algumas ocorrências lhe parecerão imerecidas, já que chegaram como uma benção que ele não sabe de onde veio.

O texto diz: “Como poderias aprender o que foi feito por ti, sem o teu conhecimento, a não ser que faças o que terias que fazer, caso tivesse sido feito por ti?” (T-14, I - §1:7). Pois bem, poderíamos reescrever esta frase assim: Como poderias saber o que foi feito para ti, se não tens consciência da Fonte daquilo que chegou, a não ser que entendesses que aquilo é teu e deve ser entendido como tal? O trabalhador em milagres precisa saber que ele é um Efeito de Deus, portanto, o que recebe tem que vir da mesma Fonte. Este trecho fala sobre o destino do Filho de Deus no tempo como favorável, pois mesmo que algo que ele tenha feito “por si mesmo” não possa ser compreendido como tal, ou ele seja o vetor de algo incompreensível (“Não sei como consegui fazer isso. Foi um milagre!”), mesmo assim, isso foi feito por ele, então ele precisa ter o conhecimento de como isto pode ocorrer. No entanto, isto pode estar escondido sob espessas camadas de dúvidas acerca de seu poder.

Portanto, o trabalhador de milagres não pode ter dúvidas acerca de Sua Fonte. Mas neste mundo “feito de negação e sem direção” o trabalhador em milagres não pode se ater ao seu real valor sem comprometer-se diretamente com a verdade. Ele aprende, neste caso, por via indireta, e isso não é um erro ou um problema. Na verdade, é uma fase pela qual todos devem passar. Se ele está esquecido de seu valor, isto é, se não lembra que é amado por Deus sem nenhum tipo de julgamento ou condenação, certamente deve estar imerso em algum tipo de culpabilidade e não lembra que é perfeitamente inocente.

Para que possa lembrar, o contexto nos quais o milagre acontece não pode ser tido como se fosse algo exterior a ele. E é exatamente disso que precisa lembrar. O seu valor não entra nisso, pois ele é, como já foi dito, perfeitamente inocente. Então, o que mais pode ser lido como empecilho se não a culpa ou o medo? Tais elementos gerados pela mente errada fazem com que ele se perceba erroneamente, de tal maneira que passa a crer que tudo que vem de uma fonte diretamente associada à inocência não pode ser devida a ele. Portanto, a primeira coisa que deve ser lembrada para que o Filho de Deus possa experimentar o milagre sem necessidade de inferências indiretas é que ele é perfeitamente inocente. Esta é a sua natureza e negar isso é o mesmo que negar a si mesmo.

Podemos entender com um exemplo: digamos que a sentença proferida por um juiz seja desfavorável para certo réu. Certamente, diante das leis do mundo, a causa e o efeito de tal sentença podem até mesmo estar ajustadas. Mas o milagre surge da ideia diante da qual tal réu se contesta e pode até mesmo assumir para si a culpabilidade do crime no tempo, mas não a punição de Deus, desistindo da ideia de que ele é efeito deste mesmo crime e se percebe inocente. Ele errou, mas agora pode ver a si mesmo como perfeito, capaz de gerar inclusive um novo panorama para a vida, diante de uma perspectiva agora sábia que possa trazer para si verdadeiras vantagens de correção durante seu “estar-no-mundo”.

Neste caso, o milagre surge diante da mudança de ideias que compõem um sistema de pensamento. Usamos um exemplo extremo, mas a verdadeira mudança surge através do amor. Contudo, o amor próprio não é uma causa a se revogar. Pode ser que o criminoso altere sua forma de ver a vida caso relembre de Sua Fonte, e isso para ele será um verdadeiro milagre. Lembremos o que diz o Texto: “O milagre nada faz. Tudo o que ele faz é desfazer” (T-28; I; §1:1). Portanto, o milagre surgirá na mente do Filho de Deus como uma correção, mas ele não precisa ser um criminoso para que isso ocorra desta forma. Isto é o que ele precisa ter em mente. Se não quiser ter para si a correção por se acreditar culpado, como poderá perceber o milagre? Assim, em erro, ele pode facilmente acreditar que uma é realmente vítima do mundo que vê.

A disponibilidade para aceitar o milagre surgirá diante de uma inclinação em lembrar. Os milagres são para o Filho de Deus, não para sua vontade consciente. As ocorrências de milagre não surgem mediante uma petição. Não podemos saber todo o panorama do Plano de Deus; portanto, o que julgamos como milagre pode estar em erro. A cada dia, a cada hora e mesmo a cada segundo, os milagres estão disponíveis como ferramentas do desfazer. Mas não podem ser julgados como tal se forem compreendidos em forma julgável. Grande milagre é um dia de sol na praia, mas grande milagre pode ser a chuva que impeça a praia. Não sabemos a Vontade de Deus diante de fenômenos julgados. A tudo, sede grato.

Então, o milagre pode aparentemente ser julgado como algo “desfavorável”. Numa circunstância indireta, será necessário, então, deixar que a pronta-resposta ao milagre seja um desfazer igualmente indireto, no qual será necessária ainda a ferramenta “tempo” para que o sujeito da experiência possa lembrar-se disto no seu suposto “futuro”.

Outra forma na qual indiretamente pode-se perceber o milagre é através do instante santo. Numa conversa aparentemente banal, caso haja disponibilidade para isso, as palavras podem cumprir sua função simbólica como pressupostos de novas acepções. Ouve bem ao teu irmão, pois ele é o mesmo, e nele estão todas as respostas que tens em ti, mas que temes ouvir. Todos já receberam “alertas” ou “avisos” ou mesmo correções vindas de “outra pessoa”, muitas vezes de modo pouco usual. É o famoso “parecia que ele falava de algo que só eu sabia”, e em muitos casos assim o é. A dinâmica do instante santo não pode ser compreendida sem disponibilidade, e é por isso que as pessoas se encontram e não se ouvem ou se veem.  As pessoas temem-se demais umas às outras.

Por fim, as referências indiretas da verdade podem ser muito bem compreendidas no perdão. O perdão total, que permite que as referências milagrosas ocorram como correções, somente podem chegar ao sujeito da experiência se ele se abstiver de julgamentos de qualquer espécie. O Mundo Novo que surgirá de tal disponibilidade não poderá mais ser controlado por ele (ou, melhor dizendo, ele não mais terá a ilusão de controle). Ele faz um plano, ou tem uma ideia, mas entrega ao Espírito Santo e o mundo que ele quer será claro para ele como uma água límpida. Ele só não pode tomar decisões por conta própria. Isso é necessário aprender. Tens um Professor, um Amigo, que guiará tuas decisões de acordo com tua real vontade. As consequências que virão podem surgir em um cenário bem diferente daquele que imaginarias, mas lembra que o milagre surge como um ato em desfazer as ideias erradas que tinhas sobre tua incapacidade para cumprir tua função, por exemplo.


Pai, viemos agora a Ti em disponibilidade para possamos cumprir Teu Plano, Que é o de felicidade completa para o Teu Filho. Ele precisa de ajuda, Pai, pois não lembra Quem É. Fornece-nos Teus milagres para que o mundo descortine-se para ele, conforme ele possa compreender quanto de sua função pode ajudar o Teu Plano em despertar o Teu Filho, para que Ele possa saber da natureza dos milagres por si mesmo, e assim alcançar a glória da Tua Vontade. Amém.