sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Sobre a memória presente

           

Gostaria de entender melhor o contexto do início do capítulo 29, quando trata da “memória presente”.


                A memória presente é uma referência à lembrança do que é agora. O Texto diz que “estás há tanto tempo a acreditar que a memória guarda apenas o que é passado, que é difícil para ti compreender que ela é uma habilidade capaz de lembrar o agora”. O passado guardado na memória é uma evocação. Não há nenhum passado, mas a memória pode ser ensinada a evocar. Nisto, o sentido de evocar, que é “manda chamar alguém” mostra que o entendimento do ego acerca do uso da memória busca sempre refazer a si mesmo pela reprodução. A evocação do passado reproduzido visa modelar o presente como uma reprodução do passado. Assim, um erro ou a culpa passada são reproduzidos no presente como causa, e o medo do presente é justificado. A memória utilizada desta forma é uma perversão de sua verdadeira propriedade.

                 Dissemos “perversão”, pois verter em perjúrio é trazer algo que não mais existe para perto de ti, com a função de renovar o erro. A memória utilizada pelo ego traz o passado, que não mais existe, para o aqui, e plastifica o agora com uma (ou várias) camadas deste passado. Vejamos agora como isto se dá: se o passado é a causa do presente, então se torna impossível qualquer mudança. A causa do presente está lá atrás, na beira de um continente esquecido, e não podes voltar lá para mudar coisa alguma. Se a causa do presente é um evento passado, que não existe mais, então a mudança no presente é impossível, pois sua causa se foi e é impossível voltar para restaurar. A condenação é certa e o pecado é real, pois como poderás consertar aquele erro do passado, para mudar o agora? Não há mais como voltar no tempo e o que se foi já era.  Veja como esse erro é sobrevalorizado pelas pessoas. Quantos não exercitam a mente em ideias deste tipo: “se eu pudesse mudar isso ou aquilo que fiz...”, “se eu não tivesse dito aquilo...”, “eu poderia ter usado melhor meu tempo...” etc. No absurdo da fantasia, alguns gostariam de voltar no tempo para corrigirem seus pecados irrecuperáveis. Em meio ao que não veem, creem que estão condenados, pois aquilo que lhes foi imputado na infância ou no dia anterior determina a miséria em que vivem. Esta é a plástica da memória ajeitando o nariz do presente.

                O rosto mesmo não se vê. A culpa é sustentada pela memória do pecado. A reiteração do pecado, a sobrevalorização disto, é uma doença, mas tem cura. Algumas teorias psicanalíticas orientam-se baseadas na busca por um pressuposto recalcado que ativou uma neurose atual. Por outra: acredita-se que ao encontrar no passado a causa de determinado efeito negativo no presente há uma possibilidade de trabalhar com essa causa no presente. Isso está certo apenas em parte. Vamos utilizar uma imagem para exemplificar o absurdo desta abordagem. Digamos que você está dirigindo um carro e de repente percebe alguma coisa estranha na dirigibilidade do veículo. Você anda por alguns metros com o carro cambaleante, mas resolve parar. Daí verifica que o pneu furou. A abordagem que busca a causa no passado acredita que o melhor a se fazer nesse caso é descer do carro, caminhar para trás e sair a procurar o prego. Uma abordagem realista não se importa com o prego, pois o problema real é o pneu furado, a causa do problema não é o prego, e sim o carro parado, pois esse é o real problema. Então, troca-se momentaneamente o pneu furado pela ajuda do estepe até chegar à borracharia. Se o borracheiro achar o prego enfiado no pneu, ele tampouco vai ficar idolatrando o prego e deixar o pneu com furo. Pode ser que ele faça um ou dois comentários sobre o prego e o descuido nas ruas, ou sobre como tal prego causou o estrago, etc, mas o conserto do pneu independe totalmente do prego. Para se consertar um pneu, jogue o prego fora.  Limpe o local do furo, aplique cola, adesivo; e se o buraco for grande, faz-se vulcanização, cauteriza-se o buraco, tudo acontecendo na borracharia, mesmo que, depois de pronto, retoma-se o caminho. A não ser que o motorista queira valorizar o seu azar e contar para todos a historia do prego. Muito mais interessante seria atentar para o trabalho do borracheiro: — Rapaz! Sabe como é que um borracheiro conserta um pneu? Etc.

                Não quero refutar nenhum trabalho decente baseado em abordagens do passado, pois não conheço tudo. Pode ser que alguém consiga andar durantes muitos dias com um prego enfiado no pneu do carro sem causar nenhum vazamento. Eu já vi isso acontecer uma vez. Mas o melhor mesmo é saber que o passado não será jamais a causa de um “problema” no presente, pois, se isso fosse possível, o pecado seria real, pois o que caracteriza o pecado como real é a impossibilidade de correção, ou a condenação. Acaso o erro possa ser corrigido, então o pecado não pode ser real. O Espírito Santo pode corrigir todas as coisas para ti. No instante santo, onde não há nenhum passado, tudo pode ser corrigido. Agora, se acreditas mesmo que o passado tem valor de justiça, então não há mais solução e a única coisa a se fazer é velar o prego.

                Vamos mais seriamente agora, no contexto do currículo: o passado não existe mais e o futuro não existe ainda. Tampouco o presente existe em imagens. As imagens do presente são o símbolo de tua situação mental. Se elas — as imagens do presente — não te oferecem nenhum risco imediato, isto é, não há nenhuma imagem te ameaçando em forma faca, e é um lindo dia de verão etc, mas mesmo assim te sentes oprimido por um senso indigno de valor ou um medo oculto de estar aqui, na verdade tal dia está “plastificado” com a memória de um passado que condenou tua vivência. Não podes aproveitar os símbolos do teu presente assim. Muitas vezes, vemos uma pessoa que é muito agradável e boa, que perto dela sempre se sente bem, que traz pra gente muitas coisas valiosas esquecidas, mas que ela mesma não aproveita disso, pois o investimento no passado a cegou. Olha: nada aconteceu, tá bom. Vamos entender isso direitinho.

                Não devemos perder de vista que estamos a fazer um curso em Milagres. Não escrevi aqui o título do Curso, não pus as iniciais em maiúsculas. Disse que estamos a fazer um curso, e este Curso é em Milagres. Não devemos perder de vista isso. O milagre do prego é o ferro que o constitui. Reciclado, dissolvido, pode ser útil para muita coisa. O milagre restaura a vida. Pedimos o milagre para abandonar o julgamento. Quanto menor for o número de camadas a te impedir de ver o amor presente, tanto maior será a sensação de paz que o mundo pode prover mesmo em ilusão de existir. O mundo pode ser um lugar amável. O Papai Noel não existe e é ilusão de Natal, bem como não há ovos de Páscoa, mas vais tu a tiranizar as crianças e sair a dizer: leia aqui, garotinho, neste curso, que explica que tudo é uma ilusão... Isso seria um terrível aclamar! Depois, no tempo, elas mesmas aprenderão que não é assim. Por isso, o mundo — ilusão — pode ser vivido feliz, mas não tem valor. Não foi dito a ti que deverias sofrer no corpo para atestares que o mundo não existe. Não existir não quer dizer que se está morto. A vida vem até mesmo aqui. Por isso, os milagres podem vir aqui e restaurar. O tempo, essa ilusão em sequencia, não vai durar. Teus símbolos de amor não estão amarrados uns aos outros para frente e para trás. Eles estão todos aqui, agora. Buscar imergir-te no instante santo mais frequentemente e disponibilizar-te ... e verás. “O milagre vem em quietude à mente que para um instante e fica quieta”.

                Pois bem: o amor não deve nada ao passado. Uma causa real tem que ter efeitos reais. O que é verdadeiro não pode ser falso. O passado é falso, pois não existe mais. A causa da verdade não pode estar no que é falso. Portanto, a causa da verdade não pode estar no passado. Se quiseres utilizar a memória para vasculhar o passado, estás em busca do falso. Tal busca não terá efeitos reais, serão apenas camadas que esconderão de ti o amor. Pensa que poderias ter nascido agora mesmo. Não queres nascer agora mesmo? Apenas se a memória for evocada podes lembrar de ti a dois segundos atrás. O vento sopra sem saber de seu passado. Palavras de Jesus Cristo: “o vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito"(João 3:8). Não queiras ser o dono de tua história. Tua história é um mito, e é tão falsa quanto o mundo. Pensas que se abandonares a memória perderás a condição de cuidar dos teus, de trabalhar etc. Esses apegos. Mas seria o amor algo irresponsável? Seria a responsabilidade uma irresponsabilidade? A verdade é verdadeira e nada mais é verdadeiro. A história de André Sena é uma fantasia. Quem André Sena? Quem, os planos dele?

                Durante a leitura do Curso, depara-se por oito vezes com a palavra “soltar”. Quatro no Livro Texto ( T-11, VIII, 13:2), (T-16, VI, 7:5), (T-16, VII, 1:1) e ( T-29, V, 5:6) e quatro no Livro de Exercícios (Lições 68, 73, 79 e 102). As lições e contextos nos quais a palavra “soltar” aparece estão sempre ligadas às mágoas. O passado é uma mágoa do presente, é um “relutar”. O instante santo te ajuda a soltar. Não precisas comemorar aqui, não tens que fazer promessas. Nascer de novo é não relutar mais contra o instante santo, a real acepção do agora. Nele, podes ser desvanecido, a meta do curso. Assim, Deus pode dar o passo final e seres salvo. Que importa quem eras antes? E será que não poderás ajudar tantos aqui e trazer amor para todos? Todos! A salvação não é uma construção mental. Soltar é deixar ir o que não é verdadeiro. O passado e o futuro não são verdadeiros. Se olhas apenas para isto, vês apenas o pecado — demônios soltos pelo ar. Tudo estará certo ou errado, entende? Serás o juiz do mundo. Todo ego é juiz do mundo. Não há apelação, não há veredicto. Apenas um eterno e triste tribunal de portas cerradas, punindo, punindo, punindo...

                Não queres isso, pois isso não existe. Solta teu “direito” em analisar, pesar, julgar. Não sabes nada. Quando não sabes nada, tudo é leve. Passarinhos cantam sem partitura. Amém, amado, pelos teus. Não te esqueças de que compraste uma moeda sem valor na feira de antiguidades. Ela não tem mais valor, nem será substituída no futuro. O passado é sem futuro, e respeite o trocadilho! Nisto, é certo. A memória presente é o instante santo, aqui, sem passado, sem futuro, sem medo daquilo que foi feito para ti na verdade. Quisestes substituir teu canto por uma partitura composta por um músico ruim. Agora, chega! Nem todos podem ouvir assim, mas aqueles que podem, entendem. Quem não entende, o Espírito Santo resolve. Acalma-te com o mundo. Vê-se claramente que teu amor não pode mais ser represado. Bom dia! E preserva-te amando.

                 Ainda precisamos entender que para "soltar" é preciso abandonar os relacionamentos especiais. Retomaremos isso. Hoje, despedi-mo-nos com música e essa síntese perfeita do mestre Mooji:

                "É completamente natural para a mente e a atenção permanecerem no Vazio. Em certo momento se torna sem esforço. Mas o nosso condicionamento diz: “Ah, mas eu não sei se isso é bom”, “Manter a minha mente tem algumas vantagens…” Então há alguma confusão, algum medo, porque você está colocando ela no fogo do autoconhecimento, da autorrealização – e esse fogo não vai lhe queimar, ele só vai queimar o que você não é. Mas a mente está dizendo: “Não, eu quero salvar algumas coisas, posso manter isso?”. Mas estar nesse fogo é um estado em que você não está negociando.”

Obrigado por lerem até aqui. São bem vindos aqui. Te amo.



Criolo - O Tempo Todo

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