sexta-feira, 22 de março de 2013

A Inquietude durante o sono noturno.




               O sono ao qual chamas vida parece variar continuamente de acordo com suas baixas e altas em expectativas. Deveras, aquele que não tem expectativas não pode se alterar em digressões e esperanças de mudanças. A vicissitude surge em um contexto de investimento em escassez. Somente o oposto da escassez, que é a volúpia ( a eternidade não cumpre opostos ), poderia admitir uma associação entre o que se diz verdadeiro e o que é ilustração. O amor é invariável. Seria impossível que a variação conformasse em si mesma qualquer tipo de glória ou divulgação de ameaças, pois seu pressuposto é a mudança, e não ater a classificação a um único estado. A vida em sonho é sempre digressiva.
               No caso do sonho noturno, o que ocorre é uma generalização dos pressupostos da variação em acordo com o tempo. Obviamente, o tempo pode ser “suprimido” ou alterado durante o sonho noturno, conforme o sabemos. Quando o sonho noturno e o sonho diurno buscam “competir” pela realidade do sonhador, há um conflito geralmente estabelecido pela insônia ou inquietude durante o sono, pois nenhum destes dois estados parece “agradar” ao sonhador. O alto grau de hipnotismo não parece favorecer seu estado de atenção, e aquele sonho que melhor o seduzir, vence.
               Um pode sonhar que naquilo a que chama vida, há uma torneira pingando, ou uma cigarra em estrídulo, o impedindo de dormir. Este sonho configura sua escassez em sono e comprova sua des-espiritualização em fadiga. Por outro lado, o sonho noturno ao qual consegue se entregar, “comprova” em imagens de terror que o sonhador do sonho é uma mente aturdida, e que não há escapatória para ele, pois as imagens que surgem neste contexto atribuem a si mesmo um débito em relação ao cotidiano do sonhador, e aparentam ser mensagens que “não o deixam dormir”.
               Obviamente, tal estado ocorre mediante uma grande devastação, ou cisão, na qual o sonhador prefere alternar seu estado consciente entre sonhos, para divulgar sua fadiga em termos experimentáveis. Na verdade, o sonhador não quer dormir, pois ele precisa divulgar que o sono é necessário e lhe falta, tanto que seu corpo em escassez admite o cansaço, e todos os atributos do corpo parecerão falhar, pois ele teve uma noite ruim.
               No entanto, não é possível que se peça ao separado para sonhar com estas coisas em sua consciência. Ele não pode sabê-las. Seu total alheamento em relação aos pressupostos do despertar é tão inconsciente que somente através de uma revelação da verdadeira natureza do corpo ele poderia entender sobre o cansaço físico. No entanto, e adicionalmente, o homem que vê a si mesmo como corpo precisará de descanso, pois tal investimento demanda muito gasto em energia.
               A noite vem para estabelecer — como oposto — a denúncia acerca daquilo que foi vivido — através de opostos — durante o dia. O sono passa a ser o oposto da vigília, e o pressuposto desta em “descanso”. O sono noturno são teus pensamentos em imagens, não formatados pelo tempo, em variáveis sucessivas e diferenciações de conceitos. Não temes os absurdos do sonho noturno, pois criastes regras para dizer a ti mesmo que durante a noite “é assim”.
               Quando não consegues adormecer, significa que estás fadigado em fadiga. Algo semelhante em apropriação ao próprio cansaço em estar cansado. Parece um absurdo? Pois é para se rir mesmo, conforme a separação só engendre absurdos. O ego, em cansaço, pede ao corpo, em cansaço, que descanse em sono, enquanto ele mesmo — o ego — satisfaz a si em autômatos de sonho em vigília. No entanto, para isso acontecer, o corpo precisa estar acordado, e se o ego quer sempre “mais”, não podes dormir enquanto ele continuar a “fazer”. O empenho do ego em gerir conceitos em imagens é interminável, mas durante o sonho noturno, seu predomínio pode ser obliterado por um que esteja em vias de despertar. Assim, esta estratégia em insônia visa confundir o sonhador entre sonhos, e dificultar a percepção da ilusão de ambos os estados. Tanto o sonho noturno quanto o sonho em vigília são irreais. A alternância entre estes dois estados em várias vezes durante uma mesma noite pode ser entendida como o empenho do ego em demonstrar que somente podes acordar de um sonho para cair em outro.
               Isso não é assim. A ocorrência da insônia pode ser curada meramente entregando o teu sono em confiança ao Espírito Santo. Como se faz isso? É muito simples: quando fores dormir, lembre com amor de uma situação na qual o dia “te forneceu” amor. Isto fará com que te lembres de ti mesmo amável. Tenta lembrar-se de como és amável. Busca, depois, livrar-se da imagem que suscitou tal pensamento, e te entrega unicamente à sensação. Isto fornecerá para ti uma compreensão do corpo como um instrumento de aprendizado para o amor. Não é uma libertação, pois as sensações são percepções; mas é um empenho em direção à cura do corpo como autômato em jogo de sonhos. Ao chegar a este estado, que já sabes como experimentar, pede ao Espírito Santo que vele pelo teu sono, enquanto ainda dormes. Ele compreenderá isso como tua disponibilidade, e não falhará em admitir para si um indulto para conciliar o sono noturno com teu empenho em despertar.
               Na verdade, “dormir direito” é uma expressão contraditória, pois ninguém pode verdadeiramente dormir. Apenas o sonho em “dormir” assume para o sonhador a possibilidade de encontrar no sonho noturno um oposto à vida real. Tudo lá pode ser obliterado, variado, ressignificado enfim, qualquer empenho em gerar salvação através de um oposto pelo mesmo, causa uma diferenciação neste “mesmo” fabricado. Explicando novamente: o sonho noturno não pode repetir a vigília, assim como as imagens da fantasia não antecipam o evento fantasiado. Sonhar é reproduzir fantasias, e fantasiar é sonhar reproduções.
               Se não consegues dormir direito, és agora alguém que pode definir a si mesmo como “aquele que não consegue dormir direito”, e isso é uma limitação. Tampouco podes definir teu sono sem definir a ti mesmo em auto-julgamento. Como farás então a diferenciação? Apenas encontrando o meio termo entre o que é dormir e o que é realmente descanso. O descanso real está em dormir sossegadamente, não em matérias de impulso ao sono do sono. Dormir bem é apenas dormir, e nada mais. Se quiseres não te inquietar à noite, procura devotar teu dia aos encontros santos e aos instantes santos. Na medida em que aprenderes a ter apenas isso, teu sono noturno será também um sono santificado. 

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