sexta-feira, 1 de março de 2013

Sobre a culpa




               A culpa é uma falha no pensamento certo. Aqueles que se sentem culpados estão em arrogância, ao acreditarem que o pecado pode lhes dar direção. O pecado, não existindo, não pode ter efeitos, mas o julgamento de si mesmo pode ser atribuído à imagem de “pecador”. A decorrência disto é um efeito ilusório na mente do filho de Deus dormindo, pois ele ainda pode acreditar em escassez.
               Nada falta ao Filho de Deus. Isso não pode deixar de ser lembrado; tampouco pode ser atribuído a um espaço físico ou a um evento no tempo. Nada falta ao filho de Deus, mesmo se o sonho a que chama “vida” lhe apresentar dificuldades, pois o sonho é simbólico, e as suas ocorrências em escassez são eventos do aprendizado em tolerância ao espaçamento físico, pois o que é diretivo e parece real não é nada.  Queremos dizer que o surgimento de um evento no espaço ao qual chamas “momento” é uma direção de tua mente, reformulada em matéria. A isso chamas imagens ou “a vida real”.
               Nas imagens do mundo, que é para onde vão as tuas projeções, não existe um “alvo”. É preciso bem entender isto. As projeções, no entendimento do insano, surgem através de um estímulo exterior, ao qual se dá uma resposta. Essa resposta pode ser uma projeção, na medida em que julgas o que vês “lá fora” com o conteúdo de tua própria mente. A sanidade, diante desta perspectiva, viria da análise do exterior perante tua razão. Portanto, as imagens são apresentadas como estímulo, o indivíduo as julga, e depois lida com elas. Diante deste cenário, sanidade é julgar bem.
               Nosso aprendizado é diferente; não há o que julgar nas imagens. Podes contemporizar que, se não julgares o que vês, não projetarás, mas também não terás elementos suficientes para tomar nenhuma decisão. No entanto, reforçando ainda a perspectiva de nosso aprendizado, lembremo-nos do que lemos no Texto, quando é dito que tu não precisas fazer nada. O julgamento pertence ao único Avaliador. A abstração é a verdadeira natureza da mente. Se acreditares que a abstração pode ser julgada, então não entendes bem o que é a abstração.
               A abstração surge de um evento na natureza do qual ele é o mesmo: indutor e observador. Eles não são a mesma imagem, mas são uma coisa só. Não há nenhum referente para se reportar, neste caso. Vês a imagem e não podes dizer o que aquela imagem é. Isso é disponibilidade. Neste mesmo instante, o Portador da razão dirá o que é significativo, e pode não ter muito a ver com a imagem que vês. No entanto, será sempre em teu favor, sempre amoroso, os efeitos são a alegria e a sensação beatífica de paz interior e completude plena, pois neste instante “não estarás fazendo nada”.
               Voltemos ao exemplo da xícara. Uma xícara como palavra é uma abstração, pois não há nenhuma xícara a se reportar quando dizemos: xícara; pois podes pensar em diversos tipos de xícaras. No entanto, sempre estarás muito próximo ao universo simbólico de “continente, algo que contém”. No entanto, se vires a xícara, não pensarás assim. Lembrarás de teu passado em experiências com xícaras, das xícaras que vistes, que serve “para beber líquidos” ou “para aferir medidas” e de todas as outras coisas que aprendestes sobre xícaras. Assim, a xícara é um “alvo” ao qual te referes em termos de sentido. Mas o significado da xícara não tem absolutamente nada a ver com seu sentido. Todas as coisas que vês ao teu redor ganharam sentido através da elaboração mental que o teu “amadurecimento” proveu. No entanto, qual o verdadeiro significado de uma xícara “por fora” do que pensas dela? A xícara em si, conforme Kant, é impossível. Mas o sentido da xícara parece possível na separação.
               No entanto, o significado da xícara está em abstração, não é passível de ser elencado de um repertório dos adjetivos aos quais podes “xicarizar” o que vês. A xícara reporta-se em abstração a noções derivadas de “continente”, pois pode muito bem estar relacionada a uma série de fatores que tua mente evocou como xícara. Daqui, nos perderemos facilmente, pois estamos a discutir o sentido do significado, e isso é impossível. No entanto, podemos “fazer” imagens significativas:
               A xícara com a qual bebes teu café da manhã é o teu despertar em sonho de vigília, no qual “amanhece o dia”. A xícara que mede a quantidade evoca em tua mente a partição necessária para “dar certo”. A xícara em porcelana chinesa que decora tua cozinha evoca beleza em forma. A xícara que detalha em seis unidades o espaçamento de uma mesa retangular evoca espaço e destinatários. E por aí se vai ao infinito, mas nunca saberemos o significado destas coisas, pois a mesma evocação da xícara do café da manhã pode ser atribuída à sensação de “manter acordado à força”.
               Demanda grande coragem efetivar tal processo.
               Mas coragem em “agir com”.
               Grande boa fortuna.
               A abstração, portanto, não pode ser associada a nada a que se reporte anteriormente como “experiência”. Entregar-se ao instante em que se vê a xícara sem nenhuma expectativa ou planejamento é sinal de sanidade, mas o ego acredita que isto é a loucura, pois como as coisas iriam “acontecer”, se assim? Como se daria a “ação”? Seu principal aliado é aquilo à que chama “razão”, pois ao que ele atribui sentidos, desfaz o significado, mas justifica em atos e reações mecânicas. Por isso dissemos anteriormente que a mecânica do instante santo ainda julga o instante, mas já é um começo, pois como diz o curso, estamos a desfazer o ego usando ainda o ego como referência. No entanto, parcelas de abstração já foram evocadas se conseguistes ler até aqui, mesmo que não entendas, pois o significado tem muito pouco a ver com o entendimento percebido. O significado está completamente imerso no conhecimento, conforme o Curso concebe essa expressão: “Certeza não requer ação. Quando dizes que estás a agir com base no conhecimento, estás realmente a confundir conhecimento com percepção (prefácio)”. Assim, o conhecimento associa o que vê ao que é a Real Vontade de Deus, e não valida as imagens em sentido ou em significado. Por isso é dito que nada que vês possui significado algum, pois não vês ainda em abstração, já que “meus pensamentos são imagens que tenho feito”.
               A única forma de ver o mundo real, o mundo sem projeções, o mundo no qual as imagens que vês são reflexos da gentileza de teus pensamentos, é abandonares o passo mecânico para atingires a união em Um. Isso somente pode ocorrer se te livrares da culpa. Como podes perdoar se te sentires culpado? Não estás perdoando se quiseres meramente “se arrepender”. O espírito não se arrepende, pois ele não tem passado. Nada foi realizado aqui, apenas a tua mente guarda as imagens que ocorreram a dois segundos atrás e as reverte em repertório para construir a “tua vida” ou a “tua história”. Não existe a tua história, pois o filho de Deus não é um mito, uma “história de vida”. Mas se julgas alguém de acordo com o erro ou o teu arrependimento, então perdoas para destruir, pois estás a encontrar no outro o sentido do erro.
               Numa discussão pela razão em determinado assunto, a competição surge como um elemento da separação em diferenças. A abstração não discute, ela evoca o planejamento e, depois, ensina; de acordo com a razão real. É quase impossível falar destas coisas se quiseres entender com tua mente em sentido o que ser quer reportar em significado. Às vezes lês trechos do Curso e não entendes nada, ou fazes dez lições sem entender inteiramente o que está escrito ali, mas percebes os efeitos. São apenas evocações da abstração em ato, mas ainda segundo pressupostos mecânicos, que podem muito bem ajudar a liberar a mente para a abstração, se tal mecânica for conduzida pela mente certa.
               Assim, definimos a culpa como a tentativa de teorizares a ti mesmo. Crias um conceito de ti como “pecador” ou “um sujeito errado”. Daí, em caso de acreditares que és passível de dar o perdão, podes bloqueá-lo ao rememorar no teu “repertório de vida” um elemento altamente significativo baseado em teu sentido de ti mesmo que te impeça de perdoar, pois és um “miserável pecador”. O raciocínio circular aqui não é evidente? Tu te tornas teoria de ti mesmo. Se pensares que a meta do ego é o isolamento, entenderás isto como a xícara: tu passas a ser a memória das tuas experiências, a medida na qual “pode dar certo” etc. E o significado de tua vida se perde nas ascensões devotadas ao sentido. Queres, a toda força, fazer sentido.
               Irmão: o ego não tem sentido e tu não és o ego. Ele não abrange atos significativos, pois é sempre autorreferente. Seu domínio é circular e a abstração é terrível para ele, pois ela não se refere a conceitos como “em cima, em baixo, para frente e para trás”. A abstração está para o sentido assim como a revelação está para o significado. Quando reduzes o significado ao ato de entender, tudo perde o seu real significado. Por isso é dito no primeiro exercício que: nada que vês tem significado. E, realmente, “um mundo sem significado gera medo”.       
               A culpa abole o significado. Ela faz com que te armes em defesa de um significado em escassez. Irmão: não fizestes nada, pois o passado não existe. Os repertórios que teus irmãos mostraram são ilusões, e eles não os mostrarão de novo, se a tua mente se dispuser a evitar a projeção de seus caminhos, pois nenhum pensamento teu, estendido em matéria como imagem, pode assegurar garantias em significação se não entregares a tua mente a Aquele que pensa por Deus. Ele sabe o real significado das imagens que vês. No entanto, não esqueça: se vires um evento mal no mundo, não quer dizer que tu sejas mal. As imagens são simbólicas, passíveis de interpretações variadas e tu não és o intérprete de ti mesmo. Diante deste primeiro passo sobre a mecânica das imagens, resuma-se a isto: não julgues o que vês segundo o teu repertório e entenderás sobre a natureza conciliatória da abstração. 

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário